Artigo

No fundo do poço

O governo tem soltado vários balões de ensaio para voltar a CPMF ou medida parecida. Nesse processo de insinuações demonstra constrangimento. Saber que os contribuintes rejeitam a taxa sobre a movimentação financeira, mas também sabe que o estoicismo deles não impede, a ele governo, de empurrá-las goela abaixo.

Adota, então, a estratégia dos espertos. Reconhece que a saúde pública vai mal, que os queridos brasileiros e brasileiras merecem assistência de qualidade. Nesse caso, vamos dividir a conta. O governo, em momento de crise internacional mais grave do que se imagina, precisa poupar para um fundo de reserva.

A CPMF foi derrubada no governo anterior. Se houvesse formalmente um terceiro mandato, é bem provável que aquele governo, habituada a alianças demoníacas, já tivesse ressuscitado sem disfarces.

Criado por Adib Jatene, quando ministro da saúde de FHC, para completar orçamento da pasta, a CPMF se destinava exclusividade à saúde. O dinheiro era vultoso, entrou na vala comum do orçamento e sumiu pelo ralo. Enquanto isso, cresciam as filas, hospitais eram sucateados, planos de saúde ditavam preços. Chegou-se a uma situação em que ter ou não ter certos planos de saúde é o mesmo que entrar na fila do SUS. Para faturar o que desejam, eles cortam, um a um os benefícios dos segurados.

Marcar consulta com o cartão de um deles implica espera de semana e até meses. Médicos de qualificação reconhecida cancelam convênios avaros, que os remuneram simbolicamente. E o SUS? Bem, entrar na sua fila traduz heroísmo e carência absoluta. Alegar insuficiência de recursos é tapeação. O impostômetro mostra arrecadações crescentes, os poderes abusam dos supersalários e dos cartões corporativos, a hidra da corrupção engorda.

Punido no bolso, o contribuinte paga duas vezes por um serviço básico devido pelo Estado. E tome, de novo CPMF nas fuças. O pior não virá propriamente de fora. Já está aqui dentro, sob forma de ameaças veladas à mídia, à saúde – e mais o fundo do poço em que charfundam a educação e a segurança.