Artigo

A Inconstitucionalidade face da (In) Constitucionalidade da greve da PM na Bahia

Assunto muito discutido em todo o território baiano nos últimos dias é a questão da greve da Polícia Militar do Estado.

Dentre as inúmeras vertentes e interesses que norteiam a questão, pode-se extrair uma discussão jurídica, e até mesmo de cunho social, no que tange à (in) constitucionalidade da greve deflagrada pela ASPRA – Associação de Policiais e Bombeiros da Bahia, segundo o entendimento do Juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública de Salvador, Ruy Almeida Brito, que argumentou que o policiamento é uma atividade indispensável e essencial à ordem jurídica e à segurança de todos.

Ocorre que, não obstante tal raciocínio seja verdadeiro, é necessário ampliar os horizontes para analisar questões que vão muito além da “aparente” desobediência à lei supostamente cometida pelos Policiais grevistas.

A decisão liminar prolatada pelo Juiz da 6º Vara atém-se ao fato de que, por se tratar de serviço essencial, os policiais não poderiam deixar de oferecer a devida segurança aos cidadãos, devendo retornarem de imediato ao serviço, sob pena de multa à respectiva associação envolvida.

Fato bastante curioso quanto às discussões referentes ao assunto é a tentativa de conceder ao movimento grevista a aparência de uma desordem imotivada, como se as reivindicações da tropa fossem despropositadas e infundadas, o que não é verdade!

Quando da análise dos pleitos e reivindicações da Aspra, o que se deveria levar em consideração, antes de se decidir pela ilegalidade do comando grevista, são outras inconstitucionalidades que são cometidas todos os dias contra estes militares, tanto nos treinamentos realizados aos alunos soldados, quando do ingresso na carreira, através de concurso público, quanto no exercício de suas profissões.

Talvez não seja de notório conhecimento público, mas estes PM’s que agora lutam para ver alguns de seus direitos garantidos e que arriscam as suas vidas todos os dias na tentativa de reprimir a bandidagem e estabelecer a ordem pública, muito já padeceram para chegarem até aqui. O “exemplar” treinamento concedido aos alunos soldados beira a brutalidade, e, mais que isso, gera o flagrante desrespeito a princípios basilares da Constituição Federal, como por exemplo, a ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, dentre tantos outros, (a exemplo o Art. 5º, III, CF/88, que diz: “III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”), apenas para comprovar que aqui sim, desde o início de tudo, já existe a inconstitucionalidade que permite a submissão destes militares a condições vexatórias e humilhantes antes mesmo de saírem para exercerem os seus papéis nas ruas.

A ideia que parte de uma elite tem de que o soldado é um indivíduo ignorante e bruto já é muito ultrapassada, havendo verdadeiros homens de bem, muitas vezes com elevada graduação acadêmica, e que não se corrompem, apesar de o sistema induzi-los a isso todos os dias.

Dentre as reivindicações dos Policiais estão um reajuste de 17%, passando por incorporações de gratificação ao soldo (remuneração), regulamentação do pagamento de auxílio acidente, periculosidade e insalubridade, ou seja, nada além do que qualquer trabalhador necessita para prover com dignidade o sustento de suas famílias, já que a própria Constituição Federal determina no seu art. 7º, “IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. E aqui cabe uma interpretação extensiva não somente ao salário mínimo fixado anualmente pelo governo, mas sim ao salário percebido por todo e qualquer trabalhador, civil ou militar, independentemente de ser o mínimo estabelecido em lei ou não, devendo este atender sempre a todas estas necessidades constitucionalmente reconhecidas.

Por fim, tema que permitiria uma discussão quase que infindável e que, como salientado no início deste artigo, envolve muitas questões e interesses, a verdade é que antes de ser declarada ilegal ou até mesmo inconstitucional, a greve da Polícia Militar da Bahia deve ser levada a sério pelos órgãos competentes, bem como analisada sob o prisma de que a greve está sendo gerada a partir de uma série de inconstitucionalidades preexistentes e não o sentido inverso, ou seja, o de que a greve é que estaria gerando uma inconstitucionalidade.