Artigo

Do Existencialismo

Os existencialistas, e em especial Jean-Paul Sartre, defendem o princípio de uma existência anterior à essência. O filósofo francês parte da ideia básica de liberdade, como sendo o caráter fundamental do ser humano (o mesmo ser-aí de que fala Heidegger), estaríamos, assim, “presos” à liberdade, manifestada por nosso direito de escolha. O homem, e somente o homem, cria o seu próprio destino, ao contrário dos outros animais, sujeitos exclusivamente aos instintos.

Mas será mesmo que Sartre conseguiu extinguir a idéia de essência? No máximo, não teria ele apenas demonstrado que o existencialismo é uma moral? Ou melhor, uma moral da ação?

A distinção entre essência e existência corresponde à distinção entre conhecimento intelectual e conhecimento sensível. Os sentidos nos põem em contato com os seres particulares e contingentes, únicos que realmente existem, ao passo que a inteligência nos permite apreender as ideias ou essências, gêneros e espécies universais, meras possibilidades de ser, em si mesmas inexistentes. Sabe-se, no entanto, desde Sócrates, que o objeto da ciência é o universal e não o particular, quer dizer a essência e não a existência. Platão tenta resolver essa contradição dando ênfase as ideias, atribuindo-lhes a realidade, no mundo supra-sensível ou topos ouranoú (lugar do céu). Poder-se-ia dizer que é em nome da existência que Aristóteles critica a teoria platônica das ideias, sustentando que idéias ou essências não são exteriores, mas intrínsecas às próprias coisas, feitas de matéria e de forma, contendo em si mesmas o universal e o particular, a essência e a existência.

Em oposição às filosofias ditas ‘essencialistas’, as filosofias existencialistas partem do pressuposto de que a existência é anterior à essência, tanto ontológica quanto epistemologicamente, quer dizer, abrange o ser em sua realidade física e metafísica e também na sua relação com o conhecimento. Na perspectiva do existencialismo, ideias ou essências não são anteriores às coisas, pois não se acham previamente contidas nem na inteligência de Deus nem na inteligência do homem. As ideias ou essências são contemporâneas das coisas, melhor dizendo, são as próprias coisas consideradas de determinado ponto de vista, em sua universalidade (e não em sua particularidade). Resultado do universal e do particular, o indivíduo existente é redutível ao pensamento, ou inteligível, na medida em que contém o universal. A essência humana, por exemplo, nesse homem determinado é irredutível, enquanto particular – esse homem com características que o distinguem de todos os demais e o tornam único e insubstituível.

A afirmação da anterioridade da existência em relação à essência, entendida aqui como existência humana, implica numa série de teses que separam o existencialismo das filosofias essencialistas (o dualismo, o voluntarismo, o ativismo, o personalismo, o antropologismo etc, seriam algumas das características desse tipo ou modalidade de filosofia). Enfim, o primado da liberdade em relação ao ser, da subjetividade em relação à objetividade. O existencialismo não é nem uma teologia, ou filosofia de Deus, nem uma cosmologia, ou filosofia do mundo, da natureza. O existencialismo é fundamentalmente uma antropologia, quer dizer, uma reflexão filosófica sobre o homem, ou melhor, sobre o ser do homem enquanto existente.

O homem é, portanto, construtor tanto de sua exterioridade – o mundo, a realidade -, quanto de sua interioridade, seus conteúdos psíquicos. Viver consiste em fazer escolhas, criar projetos, executá- los e frustrar-se, em seguida, num moto-contínuo. Ser humano é ser angustiado, é estar diante de dilemas que não cessam, é arrepender-se sempre da escolha, seja qual for. Viver é projetarse, inutilmente. A única solução é Deus, mas Deus não existe.