Artigo

A semântica da ilusão

Rigor, fluência e lógica de raciocínio são contaminados por enxertias estranhas. As idéias se embaralham e se golpeiam, o pensamento se turva. Vive-se um tempo em que palavras fraudulentamente utilizadas alicerçam o discurso, qualquer discurso feito no interesse de iludir. A época do despudor mais deslavado.

Certas expressões estão em moda. Um exemplo: socialismo democrático. É preciso adjetivar o socialismo. O “companheiro” Chávez, eleito pela enésima vez à custa de programas sociais (a lição do vizinho lhe tem sido útil), ainda assentava tijolos em conjuntos habitacionais quando a eleição começava.

No Brasil não está oficializada a ditadura democrática, mas na prática já foi chancelada. Com ela tentou-se um terceiro mandato, e talvez o quarto, obtidos afinal com a troca de protagonista e a cômoda permanência à sombra, do verdadeiro titular. Sobram casos na América Latina. Cuba dos irmãos Castro ainda faz escola.

Em voto recente o Supremo Tribunal Federal contra os artífices do mensalão, o ministro Ayres Britto falou em conspiração para manter o projeto de poder por tempo indefinido. Um “continuísmo seco, raso”. Nada mais se fez, nesse sentido, do que concretizar ensinamento de Gramsci.

Este pensador italiano, da esquerda revolucionária, concebeu na prisão meios mais rápidos e eficazes de chegar ao poder sem recorrer à luta armada. Bastaria usar as franquias do sistema democrático, manipular suas instituições livres. Em outras palavras, o aparelhamento do Estado.

A Cartilha de Gramsci inspirou a fundação no Brasil do partido hoje malsinado na Ação Penal 470. Empunhou a bandeira da ética mais severa, vicejou na oposição, contrariou projetos que agora abraça e, alçado ao poder pelos sonhos de mudança da sociedade, potencializou a corrupção.

Assim que o novo partido mostrou a cara, alguns de seus fundadores, intelectuais honesto jogaram a toalha. Não iriam edulcorar a reincidência de sistemas ditatoriais caducos com expressões novas de ilusório teor democrático.