Artigo

Ah, suas mãos…

À Carolina Amorim

As suas mãos são as mais poderosas forças que conheço. Elas me dominam por completo. É o mais traiçoeiro e implacável ditador que tive conhecimento, fazem de mim um cativo ao léu.

Adoro, por exemplo, quando no meio da noite você me coça a barriga. Eu me esparramo na cama, como um cãozinho feliz se deita de pernas para o ar, quando o seu dono faz carinho. Ofereço-me ainda mais, despa- chado como um cachorro fiel e carente de afagos.

E da mesma forma quando você alisa as minhas costas eu me derreto, querendo sempre mais. Quase chego a dormir. Arrasto a voz. Dá moleza no corpo. Não desejo outra coisa no mundo, a não ser aquelas pontas de dedos ou leves unhas se arrastando pela minha coluna e espáduas e dorso e lombadas da pele carente de afagos.

Mas adoro também quando você vem com um jeito mole, uma voz mansa, e começa a cavoucar as minhas dobras, limpar as minhas orelhas, arrancar cabelos impertinentes da sobrancelha, dos ouvidos, tirar casquinhas que só você enxerga. É como se fosse um ritual sagrado, e eu o cordeiro quieto esperando pela deliciosa imolação. Aquelas duas mãos deslizando pela minha nuca até chegar aos meus cabelos, iniciando uma massagem capilar que consiste em puxar de leve um monte de fios, e passando por toda a cabeça, ativa a circulação e a minha insigne preguiça.

Nessas horas posso ser ameaçado de morte e morrerei, pois não levantarei uma palha para revidar: a felicidade se apoderou de mim, quero a paz e uma ilha deserta com suas mãos suavizando os meus caminhos.

Quero, como sempre quis, deitar-me no seu colo e, sorrateiro, esperar os seus toques. Anseio-os quando não os sinto. Imagino-os quando não os tenho.

E assim são completados os meus dias: na espera ou na entrega total e insana dos seus meneios digitais, percorrendo com sofreguidão os meus sonhos, entorpecendo os meus sentidos, viciando a minha espiritualidade, extasiando o meu viver. É uma dádiva dos céus saber que você ignora tudo isso, que aliás todas as mulheres ignoram tamanho poder ditatorial.

Graças a Deus o ser feminino ainda não se tocou de que pode dominar o mundo! Não se tocou que pode amansar a fera mais bravia, o ser mais bruto, a alma do maior carrasco, com apenas as palmas e as pontas dos dedos, esses toques que passeiam pelo corpo surrupiando o nosso espírito infeliz ao sabor da galé e do mar das nossas imperfeições masculinas.