Artigo

Capitães da teia

Estive no Centro de Cultura Adonias Filho (07.11.11) para o lançamento do filme “Capitães da Areia” baseado no livro homônimo de Jorge Amado, com Direção de Cecília Amado, neta do escritor. Entretanto, o que posso dizer sobre o que assisti é que, infelizmente, o filme não passa de uma razoável “Sessão da Tarde”. Mesmo considerando que o que se vê na tela é apenas um “recorte interpretativo” de Cecília sobre o livro do avô, percebe-se o “tratamento asséptico” dado à película para torná-la “comercial”, “vendável” e, quem sabe, mais “palatável” aos ao gosto (e interesses) dos patrocinadores.

No filme, aquela Bahia dos “esquecidos”, dos “marginalizados”, dos “anônimos meninos de rua”, denunciada por Jorge Amado “desapareceu” (Ainda que do lado de fora, do Centro de Cultura, alguns “capitães da areia” estivessem pedindo umas moedinhas às “autoridades” que chegavam ou saiam em seus carrões!).

Publicado originalmente em 1937, “Capitães da Areia”, denunciou a cruel realidade imposta aos “meninos de rua” na cidade de Salvador, que para sobreviver furtavam e aprontavam trapaças diversas, para “encher a barriga”. Eram garotos (com idade entre oito e dezesseis anos) que viviam num trapiche abandonado, liderados por Pedro Bala, uma das personagens- chave do livro.

Para liderar os Capitães da Areia, Pedro Bala enfrentou Raimundo, que durante a luta, com uma navalhada na mão, fez “um talho que ficou para o resto da vida” (no rosto de Pedro Bala). Pedro Bala era filho de um comunista ‘agitador de greves’ nas docas de Salvador, e não chegou a conhecer a mãe. Era loiro, como fora também o pai. Tudo isso, no entanto, dissipou- -se no filme: até o talho que ficou para o resto da vida, no rosto de Pedro Bala. Outros personagens marcantes ainda compõem o livro: “Professor”, “João Grande”; “Gato”; “Sem-Pernas”; “Pirulito”; Volta-Seca; “Dora” (única menina do grupo, que se envolve com Pedro Bala). Contudo, a vitalidade daqueles e de outros personagens, também se dissolveu dentro do filme com o propósito, talvez, quem sabe, de mostrar que a Bahia de hoje em nada lembra aquela Bahia de ontem.

A Companhia das Letras vem reeditando desde 2008 a obra de Jorge Amado. Essas reedições chegam com posfácios de nomes importantes da literatura como José Saramago, Ana Maria Machado, José Castello, Lygia Fagundes Telles, Milton Hatoum, Moacyr Scliar, entre outros. E foi justamente no posfácio de Milton Hatoum, no livro “Capitães da Areia” que li o seguinte: “… as questões sociais que o livro explora em profundidade são, em larga medida, os mesmos da “cidade da Bahia” e de muitas outras cidades, do Brasil e da América Latina. Lido hoje esse romance ainda comove e faz pensar nas crianças desvalidas, nas crianças de rua, nas crianças abandonadas, quase todas órfãs de pai e mãe, filhos da miséria e do abandono”.

Para minha decepção, não vi no filme, especialmente, aquilo que tão bem destacou Hatoum: “as questões sociais que o livro explora em profundidade”. Não que isso fosse uma “obrigação” e tivesse, a todo custo, que ser retratada pela diretora. Mas, justamente pelo fato do romance ter esse “peso” social, denunciador das mazelas e injustiças cometidas contra as “crianças desvalidas”, “de rua”, “quase todas órfãs de pai e mãe, filhos da miséria e do abandono” é que o filme de Cecília Amado decepcionou-me.

Milton Hatoum ainda naquele mesmo posfácio salientou: ““Capitães da Areia” continua a ser lido (…) como uma obra literária que habilmente soube evocar um drama humano que ainda perdura”. Está última constatação de Hatoum, “que ainda perdura”, também foi “desaparecida” do filme de Cecília Amado. Não dá para perceber na telona essa situação de miséria “que ainda perdura”: o filme parece ter “filtrado a miséria” a fim de deixar tudo “arrumadinho para inglês ver”.

E tem mais: nos anexos de “Capitães da Areia” podemos ver e ler no fac-símile do Jornal do Estado da Bahia de 17 de dezembro de 1937 (em plena ditadura do Estado Novo getulista), a seguinte manchete: “Incinerados vários livros considerados propagandistas do credo vermelho: os livros de Jorge Amado e José Lins do Rêgo foram os mais attingidos(sic)”. Caramba! Esse Jorge era/é fogo! No filme, entretanto, o único “fogo” que queimou foi o da minha paciência que esperou, inutilmente, por algum momento tão impactante quanto os muitos momentos do livro, mas, isso também não aconteceu… Deu xabu…

Após a exibição do filme foi servido um magnífico Buffet às autoridades de todos os escalões presentes naquele lançamento.

Vixe, quase me esqueci! Há uma personagem muito especial no livro: o “Boa-Vida”, entretanto, essa é outra história que fica para outra hora, porque já me alonguei por demais.

(Registre-se apenas que “Boas- -Vidas” era o que mais havia naquele evento.)