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Lavagem de dinheiro sujo: números da impunidade

Há muitos anos (Conferência mundial da ONU de 1994, por exemplo) o assunto lavagem de dinheiro não sai da pauta do dia. Como prevenir e reprimir esse delito? O discurso é sempre o mesmo: “Buscar a identificação dos grupos empresariais que aplicam o dinheiro do crime, um acordo para identificar as pessoas que movimentam milhões de dólares sem ter como justificar, o sequestro dos bens adquiridos com o dinheiro do crime e o congelamento das fortunas conseguidas pelos criminosos etc.” Mas uma coisa é o discurso, outra é a efetividade do controle do fenômeno da lavagem de capitais.

Neste campo o Brasil (ainda) não pode ser lembrado como um exemplo. Ao contrário, na última reunião do Gafi, em Roma (junho de 2012), o Brasil, que está cumprindo o primeiro processo de acompanhamento das suas recomendações, por muito pouco não foi parar na lista negra de nações que deixam de adotar medidas para reprimir a lavagem de capitais.

Dois pontos cruciais: (a) falta de lei que criminalize o terrorismo (a Reforma do Código Penal está suprindo essa lacuna) e (b) falta de efetividade da Justiça criminal e de medidas preventivas. O que salvou agora o Brasil de rebaixamento foi a edição da lei nova, já adequada à terceira geração.

Apesar de toda pressão internacional, especialmente do Gafi, a Justiça criminal brasileira, de fato, quando se trata de punir os poderosos, continua se parecendo com uma serpente: só pica os descalços (os miseráveis, os mais débeis). São poucas as informações disponíveis a respeito do número de processos e de condenações sobre lavagem de dinheiro sujo. De qualquer forma, a eficácia prática da anterior lei de lavagem no Brasil, de 1998, ficou muito abaixo do esperado (ao menos do que os órgãos internacionais esperavam).

Relatório da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República (Ministério Público Federal) aponta que, até o ano de 2011, tão-somente 677 pessoas foram denunciadas por lavagem de dinheiro no país, sendo que, deste montante, apenas 74 (11%) foram condenados.

Os números foram fornecidos pelos estados do Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Sobre os demais estados não existe informação. No Rio de Janeiro a situação é muito grave: 283 denunciados e nenhum condenado.

O percentual ínfimo de condenação, por mais chocante que possa parecer, está em consonância com os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que mostram que, em 2011, apenas 207 pessoas foram condenadas definitivamente pela Justiça brasileira por envolvimento com crimes de corrupção e lavagem de dinheiro (O Estado de S. Paulo, de 01.06.12). No mesmo ano foram 1,3 milhão de operações suspeitas comunicadas ao Coaf. Os números da Justiça penal citados retratam, na verdade, uma realidade corriqueira no nosso país, onde o rigor penal, para além de recair sobre alguns criminosos violentos (45% do sistema penitenciário), massacra diária e duramente as chamadas classes perigosas, compostas de miseráveis e marginalizados socioeconômicos (55% dos presos), ao mesmo tempo em que mantém os privilégios dos criminosos poderosos, que são donos e senhores de uma impunidade clássica.