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Mais um ato de compadrio

Quem está na planície, vive do seu trabalho remunerados, paga numerosos impostos diretos e indiretos e estrebucha nas unhas do Leão da receita tem mais um motivo para indignar-se: os senadores votaram em causa própria contra descontos nos 14º e 15º salários recebidos entre 2007 e 2011.

Alegaram que se trata de verba indenizatória e não remuneratória. A Receita Federal discorda. Alguém terá que pagar a conta sonegada. Em decisão de um minuto, sob o comando de José Sarney, o Senado assumiu o débito.

Grande fisiologista esse Sarney que Milor Fernades chamava de Sir Ney. Antes, dissera que cada senador assumiria a dívida que lhe cabe. Na hora critica, voltou atrás. Era tudo encenação, farsa, compadrio. Ao contribuinte comum sem as galas do poder resta o direito de espernear. Mas espernear para quê? Ninguém o acudirá. Somos o país dos indignados que esperneiam, berram, ameaçam em vão enquanto a caravana dos eleitos (em todos os sentidos) passa e levanta poeira.

Os salários extras são uma das muitas vergonhas nacionais de que os beneficiários não enrubescem. Datam da fundação de Brasília, quando serviam de ajuda de custo nas constantes viagens e nas mudanças dos parlamentares. Uma vez adotada, tem sido cola que não desgruda, mancha irremovível.

Cada um desses salários equivale ao suposto teto máximo da República: R$ 26,7 mil. A cobrança perfaz R$ 64 mil sem juros, multas e correção monetária, por cabeça, e pesa mais sobre os eleitos nos últimos cinco anos. Nenhum trabalhador brasileiro, por mias inventivo e audacioso que seja o sindicato da categoria, ousa sonhar com semelhante benesse.

Durou um minuto, apenas um minuto, tão somente um minuto a transferência da dívida dos senadores para os cofres do Senado e consequentemente da União, por nós, míseros contribuintes, abastecidos. Mas o projeto da senadora e atual ministra Gleisi Hoffmann, que limita aqueles salários extras ao final de cada legislatura, continua nas gavetas do Senado, vale dizer, no tumulto da memória nacional.