Artigo

Duas almas

Quando realmente desejar se entregar a alguém, deixe que a embriaguez das sensações tome conta deste instante; sinta que o torpor dessas emoções devora todo o corpo.

Permita que essas mesmas sensações te faça cavalgar por prados inebriantes do desconhecido e que, além disso, elas têm o poder de te fazer cegar, emudecer, não deixar mais escutar coisa alguma desnecessária à sua alma fortuita… apenas gozar do seu livre-arbítrio!

Mas não se esqueça que um dia as sensações vão embora, e nada pode nos restar se o que fizermos não tiver sentimentos profundos envolvidos, essa raíz que nos faz voltar sempre ao amálgama das coisas.

O oco do vazio se apodera dos que não se prepararam para o cálice das paixões. Não se esqueça que um dia o torpor pode dar lugar ao cansaço; a embriaguez momentânea será sucedida pela sobriedade; a cegueira pode dar vazão à clarividência; a mudez aos falatórios e a surdez às palavras frias e ásperas.

As sensações materiais não são o fim, mas o ínfimo princípio. O iniciar de uma longa caminhada ou de uma complicada construção, em que o amadurecimento vem com cada passo ou com cada tijolo cuidadosamente escolhido e elaborado para aquela fresta.

Delas, das sensações, deriva-se o deleite da conquista, da sedução – flor orvalhada de odores afetivos -, entretanto, apenas as sensações não nos permitem atracar ao porto seguro aonde pulsam dois corações enamorados.

Os sentimentos, esses sim, são a chave que nos abrem a porta para o mundo mágico do doar-se aos relacionamentos conjugais. Os bons sentimentos, os sentimentos puros, são o meio, o combustível, a chama, do verdadeiro elo entre os espíritos.

E quando isso acontece, quando duas almas são tocadas por esse fluido inexplicável, miticamente separadas nas histórias antigas, para se encontrarem na Terra ou no Espaço, felicidade maior não há.

No momento em que realmente desejar se entregar, não apenas exploda de corpo em sensações desvairantes, cores inefáveis e arrepios intermitentes, mas sucumba de todas as formas nos espirituais labirintos dos sentimentos verdadeiros, sem medo e sem demora, pois essa pode ser a sua metade gêmea que vagava entre montes e outros lábios, mas agora está ali, tão próxima e tão real, tão viva e tão simples, que podemos não enxergar.