Artigo

O “medo” como elemento ensejador da mitigação dos direitos e garantias fundamentais

A Constituição Federal de 1988, é sem dúvida um marco democrático na história do nosso país, em seu bojo assevera em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana, como fundamento da República, sendo assim princípio basilar de nossa ordem constitucional, e, por conseguinte elemento norteador de toda a atividade legislativa infraconstitucional, servindo também de parâmetro para a interpretação e aplicação do Direito Brasileiro.

Como corolário desse princípio, temos na magna carta, a existência de um núcleo rígido de normas, alteráveis nem mesmo por emenda constitucional, que tem por escopo garantir a todo aquele que permanecem em nossa nação Direitos e Garantias Fundamentais, previstos no artigo 5º da CF. Estas garantias visam, sobretudoproteger o todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, de arbitrariedades estatais, resguardando as características democráticas da nação, bem como trazendo elementos que efetivem, sobretudo a liberdade (de ir e vir , religiosa , de manifestação, política etc.).

No entanto, vê-se que há uma tendência cada vez maior no direito penal e processual penal nacional e alienígena (acompanhando a Teoria do Direito Penal do Inimigo), de que haja uma mitigação das garantias fundamentais em prol da “segurança coletiva” e do combate à impunidade.Têm-se no senso comum, a errônea crença de que toda medida destinada a esse fim seria benéfica não importando de que tipo fosse, seja a mais cruel, a mais injusta ou mais absurda que pareça ser. A mola propulsora dessa tendência, como amplo apoio popular, diga-se de passagem, é um sentimento tão comum a todos nós seres humanos, ele se chama medo.

O medo ao longo da história serviu como legitimador de atrocidades nada louváveis, no século passado o surgimento e apoio do nazismo, e de suas cruéis diretrizes, se fundou na crença de que a segregação e extermínio de Judeus,Ciganos,Comunistas, deficientes (mentais e físicos), dentre outros, seria a solução para o renascimento de uma nação alemã forte. O medo da miséria, da humilhação sofrida após a 1 º guerra mundial deu o apoio popular que necessitava o partido nazista para por em práticas sua política ditatorial e desumana.

Nos tempos atuais temos como exemplo o que aconteceu e acontece com os EUA. O medo do terrorismo da população americana, deu a legitimidade que o Governo Bush executasse sua famigerada “Guerra ao Terror”, que resultou na morte de centenas de milhares de inocentes iraquianos e afegãos.

No tocante ao cenário nacional, a violência urbana crescente, faz com que todo cidadão brasileiro tenha um constante medo. Medo de ser assaltado, furtado, ou morto no ônibus, na rua, no trabalho, ou mesmo na sua própria casa. Esse medo faz com cresça na concepção popular, a ideia de que leis que mitiguem a presunção de inocência, direitos do preso, ou que reduzam a maioridade penal, seriam benéficas e combateriam a criminalidade. Nada mais inverídico,pois, na verdade dos fatos tais tipos de políticas só servem como instauração de medidas autoritárias, ditatoriais, e além do mais tem como resultado a perniciosa mitigação dos direitos e garantias fundamentais. As tão faladas políticas de combate à violência ensejam a ofensa de garantias como o princípio da presunção de inocência, o devido processo legal, ampla defesa e contraditório. O estado em si já é forte demais perante ao indivíduo, face ao seu poder de punir e as instituições que tem ao seu favor (Ministério Público e Polícia, por exemplo), o uso do medo para que ocorra nas palavras no eminente Doutor Luiz Flávio Gomes a “datenização do Direito Penal”¹, é senão uma afronta ao estado democrático. Resulta apenas no combate às consequências da violência, gerando um ciclo vicioso de carcerização, reincidência e mais criminalidade.

O combate à violência se dá através da atuação de políticas públicas em suas causas, sobretudo a falta de educação (e educação de qualidade), falta de empregos formais, poucas oportunidades para os jovens, desestruturação familiar e etc.

Enfim vê-se que o fortalecimento dos direitos fundamentais (individuais e sociais) são os verdadeiros meios de obtenção da tão sonhada Paz Social. A política do medo, presta um desserviço à sociedade como um todo, o uso do medo é senão uma fase de involução nos direitos humanos e garantias fundamentais , que nada tem acrescentar ao nosso país.

1 GOMES, Luiz Flávio. O espetáculo do populismo penal midiático. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3283, 27 jun. 2012. Disponível . Acesso em: 23 jul. 2012.