Artigo

A descartabilidade do ser

A globalização da economia aliada à mundialização da axiologia social, trouxe à lume algumas transformações, que já, em tempos pretéritos, pululava em potência ou já se manifestava em ambiente inacessível para pessoas de parcos recursos, de outra espécie.

Hodiernamente, a tessitura do real, urdida em valores dissonantes (totalmente) com “ethos humanitatis”, se aproxima de uma discussão que já não guarda consonância com o amor enquanto “phyla”, mas tão- -somente enquanto “Eros”. Digressões filosóficas não cabem agora. Agora a História, agora o real.

Transitava com Luciana pelo “Malhadinho” de açúcar”, em Ilhéus, e, de súbito, entre maravilhada e estupefata, ela exclamou: olhe, um sapateiro! Que bom… ainda existe vida nesse caos da “pós modernidade”.

Transmutei, de imediato, minhas elucubrações para o sentido ontológico de sua descoberta. Não há percepção do ente em dialética consigo próprio. Mas, na perspectiva de sua própria existência, à similitude do “Dasein” Heiddegariano; aquele que se constrói a partir de sua própria descoberta.

Mas, analogicamente, entre o pensar dialético, que permeia o “Ser e o Nada” Sartriano, e a realidade Hegeliana, percebi o nihilismo do ser não concebido em sua abstratividade metafísica, mas na sua cotidianidade ontológica. No “Malhadinho de açúcar”, a luta pela sobrevivência. Mas, retornemos à estupefação de Luciana sobre o “corpo estranho” que recupera sapatos, ante a facilidade de trocá-los sempre que não mais servirem aos propósitos de seu usuário.

A analogia ontológica nos remeteu às relações interpessoais. Da falta de afetividade entre os seres. Da sua existência enquanto animicidade. E, entre a certeza de Mounier sobre a inobjetividade do ser e a sua desimportância no estruturalismo Foucoultiano, não me posiciono, mormente porque estou transitando, ainda, no “Malhadinho de açúcar”.

Vejo as pessoas em sua busca, de se mostrar, de se fazer presente, de existir. Por que as abstrações filosóficas parecem trazer antinomias? Parecem contrariar os seus propósitos? As suas realidades existenciais? Por quê?

Volvi-me novamente em introspecção, e as percebi, em suas próprias antinomias, em desestrutura, sem afetividade, em constante desamor.

Sim, todos são descartáveis; e eles sabem disso. À similitude do velho sapato, que já não cabe mais no pé de seu usuário.