Artigo

Um plebiscito quilométrico

Desconfio de repentinas mudanças radicais feitas de um golpe só. A politica no Brasil deita fogo e enxofre pelas ventas há anos e anos, há séculos, qual hidra de Lerna. Mas, ao contrário desta, resiste ao corte fulminante de todos os tentáculos. Melhor desmembrá-la por etapas, em prazo e com persistência.

Seria a estratégia mais viável contra fortes hábitos arraigados. Temos uma cultura de desfaçatez, peculato, impunidade, suborno. A chamada “Lei de Gerson” diz que brasileiro gosta de levar vantagem em tudo, certo? Aqui não é a ocasião que faz o ladrão; o ladrão cria ocasiões – e nisso revela espantosa inventividade.

O plebiscito proposto pela senhora presidenta, um dia depois de sugerir uma constituinte para a reforma, provavelmente com o fito de ganhar tempo, extravasa a mera consulta popular. Como reduzir a poucas perguntas o interminável rol de injustiças a reparar? A mim, creio que aos leitores em geral, pouco importa se o voto será proporcional ou distrital, se haverá financiamento público ou privado das campanhas.

Importa-nos saber, no entanto, se a carga tributária será aliviada; se os parlamentares cortarão os penduricalhos salariais; se deixarão de legislar em seu favor; se cessarão as aposentadorias fantasmas no Congresso e no Judiciário; se os cartões corporativos do Executivo terão limites; se…

Caso eu citasse todos os pleitos, já teria esgotado o espaço deste artigo. Como, então, incluir nas perguntas do plebiscito os reclamos e anseios do povo, jovens e adultos em marchas de protesto nas ruas? A reforma é enganar larga. A inflação voltou. Receio que tentem nos enganar outra vez, o que traria convulsão.

A presidenta convocou governadores e prefeitos pressionando- os a melhorar os serviços públicos. Em suma, a cobrança, a bronca de sempre. Cabe ao Congresso, se ainda tem estofo, aceitar a batata quente, preparar a planilha de um referendo e submetê-la à sociedade.