Artigo

O plebiscito

Cursava eu o quarto ano primário, usando como o chamado livro de leitura, (Crestomatia) na verdade uma antologia de textos de vários autores, na qual a maior quantidade era composta de contos. Um desses contos era de Emílio de Menezes e se chama “O PLEBISCITO”.

Narra uma conversa em família, ao redor da mesa do jantar, em certo momento, o filho, um garoto, pergunta ao pai: pai, o que é plebiscito? O pai não respondeu de logo. Calou-se e o filho insistiu, “pai, o que é plebiscito?”.

O “velho” que também não sabia o esse tal de plebiscito, resolveu não proclamar sua ignorância a respeito daquela palavra, e, fugindo à simplicidade de dizer que não sabia (ninguém sabe tudo, que era uma revista mineira que circulou no século 20), – resolveu percorrer o tortuoso caminho da mentira, da enganação, da embromação, tal como vemos nestes dias e disse rispidamente, que aquela não era hora para discutir aquele assunto, que mais tarde ele responderia. A sua mulher, mãe da criança, interveio e aconselhou o pai a informar logo que não sabia o significado de tal palavra e que iria verificar no dicionário e juntos descobririam o que era o plebiscito.

Como todos insistissem em obter de logo uma resposta concreta, o chefe da família mostrou-se aborrecido, levantou-se da mesa pretextando que a fome já lhe passara e iria descansar. Dito isto, levantou-se e foi para a biblioteca onde pegou o dicionário e viu o que era queria dizer aquela lavra estranha. Isto posto, demorou o suficiente e retornou à mesa e, fingindo aborrecimento, informou com ar professoral: “Plebiscito vem da Roma antiga, decreto aprovado em comício popular, obrigatório, apenas, para os plebeus. Consulta sobe questão específica, feita diretamente ao povo, tipo sim ou não”.

Portanto uma consulta popular sobre “questão específica”. A embromação que se quer fazer agora, gastando nosso dinheiro inutilmente, envolve um sem número de questões e, quem já viu as propostas percebeu o vazio que era representam, sem qualquer objetividade e utilidade, além de sua grande quantidade, quando deveria ser, tão somente, “uma questão específica” (HOUAISS), e a coisa como está posta até agora traduz-se num verdadeiro emaranhado de difícil compreensão e de mais difícil resposta.

Quando os militares brasileiros começaram a empenhar-se para abocanhar o poder, após a renúncia de Jânio, não queriam permitir a posse o vice-presidente, João Goulart, e, como não tinham apoio popular, resolveram fazer um plebiscito, consultando o povo para que fosse escolhido a forma de governo desejada entre parlamentarismo e presidencialismo.

Escolheu-se o parlamentarismo como um caminho para permitir a permanência de Jango no poder, então como Primeiro Ministro, o que efetivamente ocorreu durante a efêmera vida do parlamentarismo brasileiro, aqui lembrado tão somente como exemplo de como ocorre o plebiscito e sua serventia, diferente dos questionamentos postos hoje pelos poderosos do momento.

Ademais de tudo isso, já foi dito aos gritos pelo povo nas ruas, que também escreveu diversos cartazes a respeito, informando o que deseja, e que pode ser remido assim: escolas de funcionem, ensinem de verdade, com mesas, cadeiras, livros, papel e lápis; hospitais bem aparelhados, dispondo de gaze, algodão, mercúrio, remédios, e com médicos que compareçam ao serviço e trabalhem , e não apenas registrem a presença e saiam para seus empregos particulares; remédios para serem, distribuídos a quem precisa e não pode comprar; punição severa para os corruptos, e afasta-los do governo; infraestrutura (boas estradas, água encanada, luz, esgoto). São coisas e situações práticas e simples e já expostas à exaustão, sem nenhuma necessidade de consulta popular, pois o povo já disse, insistentemente o que deseja e do que precisa.

Não quer e nem precisa mais é de embromação plebiscitária. Continuar a jogar nosso dinheiro fora.