Artigo

O juiz, a intolerância religiosa e o Estatuto da Igualdade Racial da Bahia

Foi com surpresa e certa perplexidade que a sociedade brasileira tomou conhecimento da argumentação contida na sentença proferida pelo juiz federal Eugênio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, para indeferir liminar pleiteada pelo MPF, que visava a retirada de vídeos postados na internet, por membros da Igreja Universal do Reino de Deus, ofensivos aos adeptos das religiões de matrizes africanas. Segundo o magistrado, “as manifestações culturais afrobrasileiras não se constituem em religiões, muito menos os vídeos em questão refletem um sistema de crenças – são de mau gosto, mas são manifestações de livre expressão de opinião.”

Nesse episódio, o que surpreende na argumentação do magistrado é a sua preocupação, não a de proteger e preservar as religiões de matrizes africanas, mas a de garantir o “direito fundamental […] de “livre expressão de opinião” daqueles que cometem crimes, fato esse que pode estimular outros da mesma natureza.

Como já é sabido, em virtude da pressão sofrida por diversos segmentos da sociedade civil organizada e, particularmente, do Movimento Negro que fez manifestações em diversas cidades brasileiras, o referido juiz recuou da argumentação inicial, porém, dessa vez, justificou que a sua decisão “teve como fundamento a liberdade de expressão de uma parte”, decisão que só confirma a unilateralidade da decisão. Nesse contexto, não surpreende muito o fato de o magistrado ter ratificado a sentença de manter os vídeos em circulação.

Obviamente que não são sentenças, tampouco uma lei que pode definir o que vem a ser uma religião. Neste caso, é importante lembrar que o Estado brasileiro, por séculos, perseguiu as religiões afro, chegando até a criar meios para criminalizá- las, como ocorreu com o código criminal da República de 1890.

Entendo que uma das formas de coibir tais práticas e argumentações é cada vez mais avançar com marcos regulatórios que garantam cidadania plena à população negra. Na Bahia, no mesmo dia em que o magistrado recuava da sua argumentação, a Assembleia Legislativa aprovava o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa, importante instrumento jurídico que fortalecerá o processo de igualdade de direitos e oportunidades no nosso estado e país. Aprovação da qual participei ativamente, agregando temas como a transformação do “Programa Ouro Negro” em política de estado, a reserva de cotas em seleções públicas estaduais e promovendo debates e encontros com o Movimento Negro.