Artigo

A moderação

Fazer é criar, elaborar, produzir; dar existência a alguma coisa. Mais ainda. Fazer é construir, fabricar, manufaturar e tantas outras significações. A vida humana conjuga o verbo fazer agindo na direção de suas necessidades. O homem cria bens matérias para seu uso e vai além, elabora bens intangíveis, que escapam ao sentido do tato; aquilo que não tem existência física: a liberdade, a felicidade, o desejo, a esperança…

Esses bens materiais e imateriais passam a compor o cotidiano de cada pessoa e são permanentemente reformados, dispensados, atualizados. O modo de aquisição e a forma de utilização desses bens diferenciam- se em muito no decorrer dos tempos, a depender de circunstâncias próprias deste ou daquele momento: os gestos são mais rudes aqui, suaves ali; os comportamentos arrojados preponderam às condutas apáticas num lugar mais do que em outro e, assim, cada pessoa ou sociedade se move em seu mundo realizando suas aventuras e desventuras, com maior ou menor esforço.

Essas maneiras de ser e de fazer qualificam a vida individual ou coletiva como harmoniosa, conflituosa, impetuosa, tranquila. O fato é que tudo não passa de uma relação social determinando seus termos, seu modo de ser num determinado momento. Termos estes constituídos a partir de complexas questões objetivas inscritas num espaço social específico. No tempo presente, estamos todos vivendo um exaltado instante de inquietação. Desassossego este que tem conduzido as relações sociais a níveis incivilizados e de tal modo que já não se fala mais em ter confiança no outro. Ganhou espaço o individualismo utilitarista da busca cega da autorrealização material e sentimental, onde frutifica o puro hedonismo, a busca incessante do prazer como opção de vida, independentemente de prejuízos a terceiros. A moderação ganha importância e se avulta como virtude nesse terreno onde os limites dos desejos se descontrolam e um quê de insanidade aparece. Nesse ponto, o bom senso cultivado pelo social como regra de convivência é desconsiderado, o uso adequado do raciocínio na avaliação de ocorrências e tomada de decisões é desacreditado. No contraponto, a moderação é a qualidade de evitar excessos. E por que devemos ser moderados? Porque o homem não é divino e é mortal.

Ele está submetido a todas as circunstâncias de seu tempo e espaço. A razão construída nessa experiência secular, de circunstâncias e de lutas mil, possibilitou a existência de todos esses bens materiais e imateriais conhecidos. Essa razão nos lembra dessa condição de ser limitado que somos e apenas isso bastaria, em bom senso, para refrear nossas ambições. Além disso, somos todos dependentes da uma vida social e não sobreviveríamos de forma isolada das demais pessoas. Porque é assim, porque precisamos do outro para viver, a ação deve ser sempre comedida, para minimizar o risco dos desacertos. A moderação é o ato comedido, é uma espécie de convite à reflexão, convite a descobrir quem nós somos, quais são nossas possibilidades de fazer as coisas e quais níveis de ajuda de que necessitamos. E essa é uma preocupação antiga. Nesse propósito, o filósofo grego Aristóteles (384-382 a.C.) afirmou: O homem é o melhor dos animais se aperfeiçoado. Nesse mesmo espírito aristotélico vale lembrar a inscrição do templo do deus Apolo em Delfo (Grécia antiga), lá em seu portal havia a expressão: Conhece-te a ti mesmo. A esta expressão seguia-se outra:

Nada em excesso. Juntas as duas inscrições queriam dizer: Conheça suas próprias limitações como mortal falível. É isso! A moderação está na base do processo civilizatório do homem. É o equilíbrio necessário nesse oceano de saberes que induz a ação, mas sem a certeza de que o idealizado acontecerá como pensado. Na consciência de que viver é lutar, é fazer o enfrentamento das dificuldades e tentar resolvê- -las, não se pode perder o ânimo, nada de acovardar-se. Todo esse embate pela vida pode ser feito com ternura e moderação, para que a alegria de viver acompanhe o projeto a ser realizado.

Aliás, esse é o fundamento da ideia presente no texto sagrado que acolheu a necessidade da luta pela vida, sem afastar o cuidado em mantê-la alegre: Porque Deus não nos deu o espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação – 2Timóteo 1,7.