Artigo

A rua das Amélias

Embora nem toda mulher de verdade se chame Amélia e nem toda a Amélia seja uma mulher de verdade, os moradores daquela rua queriam homenagear o prenome feminino que o poeta ligou, um dia, com as qualidades da mulher de verdade.

Naquela rua havia, então, mais de oitenta mulheres – entre crianças, adolescentes e adultas – que se chamavam Amélias. Era Amélia “ que não tinha a menor vaidade”; Amélia “que tinha tanta paciência”; Amélia “ que passava fome ao seu lado”; Amélia “ aquilo que era mulher”; Amélia “que era a mulher de verdade”. Amélias…Isso fazia oito anos sem haver naquela rua outra mulher que não se chamasse Amélia.

Na Câmara Municipal já tramitava um projeto que se a situação perdurasse assim, por mais dois anos, aquela rua deixaria de ser “Jorge, um homem de verdade”, para ser “Amélia, a mulher de verdade”.

Por coincidência uma casa havia sido desocupada, pela mãe e por duas filhas chamadas Amélias, sendo reocupadas por outras três mulheres, também chamadas Amélinhas. Já era até proibido mudar-se, sem garantir a vinda de Amélias, na mesma quantidade, para morar no mesmo imóvel.

Os moradores da rua não podiam dar outro prenome, que não fosse o de Amélias, às crianças recém-nascidas. A liberdade de escolha do prenome só era permitida se o sexo fosse masculino. Aí o prenome podia ser Bidim, Zezin, Dudé… Até o único pederasta e mal-me-quer que morava na rua, o famigerado Zé da geladeira, passou a chamar-se e ser chamado de

– Amelinha!

Os proprietários dos imóveis situados naquela rua não podiam aluga-los nem vendê-los, a não ser a mulheres chamdas Amélias, a rapazes solteiros, ou a homens casados com dona Amélia e que tivesse todas as suas filhas registradas com o nome de

– Amelinhas!

Houve até uma ação de despejo, cujo morador foi obrigado a deixar o imóvel, por insistir em registrar a sua filha com o nome de: – Maria Amélia! A casa continua desocupada. Nela puseram um aviso: – Aluga-se somente a mulheres chamadas Amélias, a rapazes solteiros ou a homens casados com dona Amélia e que sejam pais só de filhas chamadas:

– Amelinhas!