Artigo

Voto de cabresto no tempo do wi-fi

“o sistema tradicional de controle de po¬der político por meio do abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública para favorecimento pessoal ou de simpatizantes políticos”.

A sociedade baiana assistiu alarmada a elaboração de um triste capítulo na história da resistente e heroica Assembleia Legisla¬tiva da Bahia.

Nas eleições para conselheiro do Tribu¬nal de Contas do Estado, na iminência de ver seu indicado sendo derrotado novamen¬te na segunda rodada de votação, o líder da maioria Zé Neto, do PT, convoca seus lidera¬dos para o Sala da Presidência.

A reunião acaba, o segundo turno come¬ça. Os deputados da oposição, vitoriosos na primeira votação com Carlos Gaban (DEM) vencendo apertado o deputado federal Zezéu Ribeiro (PT), assistem atônitos a mais nova e indecorosa estratégia do Governo Wagner na Assembleia Estadual: coagir seus parla¬mentares a tirarem foto de seus votos, em urna, para confirmarem suas posições pre¬tensamente favoráveis ao Governo.

Na Casa das Leis, o sigilo de votação es¬tava ali, sendo violado a cada flash.

Voltemos a definição da epígrafe, que como o título sugere, é a do voto de cabresto, expediente largamente utilizado na Repúbli¬ca Velha que encontrou seu declínio – nunca extinção – na instituição do voto secreto em 1932, chamado assim devido sua raiz sócio histórica na zona rural brasileira, onde o arreio de corda ou couro servia para pren¬der o equino à estrebaria ou para conduzir sua marcha. Desta forma, caberia ao coronel conduzir “seus eleitores” à votação (aberta) para ratificarem o seu desejo pessoal.

No caso citado, legítimo exemplo de voto de cabresto, há um agravante: estamos tratando de representantes escolhidos pelo povo, eleitos para, em seu nome, criar leis, fiscalizar o Executivo e, por óbvio, indicar soberanamente nomes ilibados e competen¬tes para os Tribunais de Contas. Tudo isto, no terreno do legal e do ideal, claro. Lamen-tavelmente, em todas as estruturas legisla¬tivas do país encontramos pressão política aos parlamentares e rateamento de cargos no Executivo em troca de seus apoios, mas reitero: jamais foi dado noticia do tipo que ocorreu no fim da noite desta quarta-feira.

Será que os parlamentares foram obriga¬dos a enviar a fotos de seus votos, via What¬sapp, ao Governador? O que acontecerá com aqueles que não possuem internet móvel, deverão pessoalmente levar suas fotografias ao césar ou ao líder da maioria? Entristeço¬-me na visão daquele parlamentar menos “muderno”, ao receber a infame ordem, se desesperar à procura de um “celular com câ¬mera” de um assessor mais próximo. Brinca¬deiras cômicas em um jogo trágico.

A mácula foi feita, o mal exemplo tam¬bém. Na universalização dos smartphones e da internet móvel, inclusive nos rincões do país, deve ser alvo de preocupação, a lição dada aos líderes políticos locais de que o voto não precisa ser seguro e sigiloso, podendo agora ser até fotografado e compartilhado – portanto, melhor monitorado.

Que a nossa democracia compreenda a importância e os objetivos da velha institui¬ção do voto secreto na mesma proporção que reconheça os avanços tecnológicos da atua¬lidade.

Que os cidadãos baianos e brasileiros reajam a este precedente perigoso e emble¬mático que une-se a tantos outros nessa ten¬tativa mal disfarçada de venezuelização do Brasil.