Artigo

O sonho do gado

Uma rês dormiu e sonhou com um mundo melhor para a espécie bovina. Mesmo se não chovesse, um sistema de irrigação seria acionado, mantendo diariamente as pastagens verdejantes, de modo a não faltar alimentação, nem água para o rebanho do mundo inteiro.

Não eram obrigados a ganhar peso, podendo até exercer o seu controle, livrando-se assim da pressão alta, das diabetes e do distúrbio cardiovascular. As febres aftosa e brucelose já tinham sido erradicadas.

Havia para eles clinicas especializada contra todos os tipos de doenças, inclusive, com tratamento médico-veterinário preventivo. A sociedade consumia somente carne de soja. O teor nutritivo desse grão, largamente divulgado, caiu no hábito do povo, substituindo totalmente o consumo de carne bovina. A única finalidade da espécie era produzir leite e seus derivados, enquanto vivos; couro e osso e seus derivados, depois de mortos. O tempo de vida dependia da resistência genética de cada rês, que o passava livre no pasto, comendo, bebendo e procriando, sem a preocupação com os vexames do confinamento nem com o horror infame do abate. Nenhuma rês nascia com o estigma do chifre sobre a cabeça. O chifre só começava a nascer, depois de constatada a traição e se o traído não se separasse do traidor, sendo este condenado à morte, sem os benefícios da aplicação de anestésicos.

As reses idosas tinha filas especificas e únicas, através da qual eram atendidas, com a seguinte observação ¨atendimento somente para maiores de 65 anos”. Havia também albergue para as reses da boa idade, que não tinham quem cuidasse delas, onde o tratamento e as acomodações eram compatíveis com as suas reais necessidades.

Quando estava se reunindo com mais de três bilhões de reses, na maior concentração bovina do mundo, a fim de comemorar a conquista de tantos direitos, acordou para viver o pesadelo do confinamento e o terror infame do abate, que ainda era a sua dura realidade. (+) O autor é cronista e advogado militante.