Artigo

A esperança

Existimos no presente, mas um presente que dura.

Essa duração do presente traz em si um antes e a possibilidade de um depois. No antes, a história nos dá conta de um mundo construído meio a encontros e desencontros fenomenais, onde, de um lado, os arranjos sociais fizeram surgir severas restrições à vida, ao se impedir que boa parcela da humanidade usufruísse das conquistas de seu tempo e, de outro lado, reafirmando a potencialidade grandiosa do que somos, um universo de utilidades surgiu na riqueza das conquistas das artes, ciências e tecnologias.

Amparado nessas conquistas e nessas experiências do passado, um horizonte de expectativa se oferece a novos projetos. As possibilidades de um depois se abrem grandemente a um novo mundo de realizações e aí um fecundo campo para a imaginação se estabelece. O pensamento ganha asas e voa alto como se desmanchando limites e apontando novos caminhos numa direção que se imagina nobres.

O curso da vida humana precisa dessa perspectiva de sonho, de desejo de ser, de querer realizar mais, é aí o reino da esperança, palco para a imaginação arrebatadora, que conduz o espírito a desafiar o obscuro.

A esperança ganha tal magnitudeque se torna uma das virtudes teologais da moral cristã: fé, esperançae amor. Virtude como sendo a disposição habitual e firme defazer o bem.

Por isso mesmo, a vida humana é nutrida de esperanças, e nelas (as esperanças) há qualquer coisa de realidade, nós as sentimos concretamente. Mas, em face de nossacondição de limitado saber, o horizonte da esperança está sob permanente ameaça, tais são as sinuosidades do trajeto da vida que se há de vencer. Ainda mais, a realização da esperança não depende apenas da vontade de quem a espera, há circunstâncias e vontades alheias que comparecem como barreira, podendo calar nossa voz, silenciar nosso canto, roubar nossa alma desejante, como exemplifica acanção Você Roubou a Minha Vida, interpretada por Alexandre Pires (1976):

[…]
Você que me roubou a vida
Todos os sonhos
E me deixou somente
O frio da sensação
De já não ter mais esperança

[…]
Como é preciso viver, a esperança não pode morrer. Nessa consciência, devemos dar um chão para a esperança, como a perseverança, a obstinação, socorrendo das normas do tempo contemporâneo, como o fez Gilberto Gil (1942) em sua composição Aquele Abraço:

[…]
Meu caminho pelo mundo
Eu mesmo traço
A Bahia já me deu
Régua e compasso
Quem sabe de mim sou eu
Aquele Abraço!

[…]
Nestes tempos de liberdade da vontade, em que somos donos de nosso destino, não nos resta nada mais a não ser exercitar com grandeza nosso papel de sujeito que somos, nessa obrigação de combater o bom combate (2 Timóteo 4,7) na direção de realizar as expectativas que sonhamos pra nós mesmos, fazendo que nossas esperanças sejam marcas de um mundo mais humano. Na certeza de que as esperanças guiam as atividades dos homens e os protegem do desânimo, o caminho é restaurar o direito de todos de buscarem a realização de seus desejos e, desse modo, protegerem o futuro, lugar onde as esperanças se reprocessam, escapam da terra do pensamento, e ganham corpo novo traduzido em realidades temperadas daqueles sonhos que o passado produziu.