Artigo

As confissões de Lucífer

Chamam-me de Lúcifer. Não o sou, mas também nunca fui um anjo, como uma interpretação literal do Velho Testamento dá a entender. Se vocês analisarem com sensatez, verão o absurdo dessas duas assertivas, não sendo elas a palavra de Deus. Certamente há muitos terroristas da palavra ¨divina¨ que, na avidez de propagar o medo para arrancar-lhes o dizimo, dão-me essa saga sem o fundamento da minha ¨ascensão¨, da minha queda e do meu reino, em todos os recantos da terra.

A ascensão espiritual tem muita consistência, tanto que se paga um alto preço moral por ela. Ninguém é criado anjo nem ascende à angelitude, sem a conquista moral de si mesmo. Quando seatinge este fanal, não tem mais como virar um demônio. Se não fosse assim, a harmonia celestial estaria comprometida, pela falta de confiança naqueles que foram colocados nos cargos chaves da administração divina.

A minha queda verdadeira não foi do Reino dos Céus, mas da falta de firmeza dos meus sentimentos elevados. Não pensem vocês que não os possuo. Sou semelhante a vocês: portador do Bem, mas ainda sob o domínio do Mal. Nenhum ser humano, por pior que seja,é detentor de todo o Mal que existe na terra. O Mal encontra-se espalhado por todo o planeta, dentro de cada um de nós, proporcionalmente, com menor ou maior potencial ofensivo, sendo ele onipresente, porque o Diabo é uma entidade multi pessoal.

O meu reino também não se estende sobre o mundo todo. Limita-se a minha pequena área de atuação. O restante de todo o espaço, físico e psicológico, fica ocupado por cada um de vocês, dividido em tantos reinos individuais, quantos são os seres humanos na terra. Cada um desses habitantes são como se fossem um ¨monarca ¨, operando com o território próprio, nas diversas modalidades do crime.

Não se deve atribuir responsabilidade individual à pessoa alguma, especialmente à minha, a não ser proporcionalmente, pela dimensão que o Mal ganhou sobre a face da terra. O apresentador do programa Na Mira da ¨Verdade¨, um pastorzinho que se diz graduado em Teologia, questionado sobre quem coloca doença nas pessoas, respondeu: O Diabo!

Lamentavelmente o referido teólogo, mesmo dizendo asnices e ainda assim conseguindo uma multidão de seguidores, não percebe que está negando a existência do Livre Arbítrio, cuja função é nos permitir a escolha do Bem ou do Mal, chamando-nos à responsabilidade pelos nossos atos, como também não admite que o nosso maior inimigo é o Mal que se encontra dentro de cada um, sendo a vitória contra nós mesmos, a única finalidade da nossa existência.