Artigo

A menina, o rio e o tempo

Não sei a razão de assim me chamarem.

Refletiu o tempo sentado às margens do rio passante, outrora caudaloso e agora agonizante a serpentear rumo à imensidão do oceano.

Ora dizem que sou uma criança, ora um adulto e finalmente um velho.

Gostam dizer: aproveite o seu tempo, você é um menino! Outros, sentenciam: agora é o seu tempo, aja. Não raras vezes ouço dizer: o seu tempo passou, não há o que fazer.

Na verdade, eu me apresento a todos, mas poucos me enxergam. E a todos eu vejo e os enxergo, indistintamente.

Conheço a história e posso fazer a história. Posso ser cantado em versos ou trovas; posso servir de inspiração a poemas ou a melodias de amor, de tristeza ou de alegria e tudo que habite a alma ou o coração do homem.

Vês o amor, por exemplo, que faço com ele? Ele, o amor, arrebata os corações; eu o arrefeço ou o deixo ardente, cálido, queimante.

Quantos, diante do silêncio ou mesmo da indiferença da pessoa amada, entregam a mim o destino desse sentimento tolhido, contido e reprimido por acreditarem que só eu transporto amor. Suplicam, pedem, imploram que eu os aproxime, encurtando a distância que os separam. Se verdadeiro esse amor, sincero e puro a transcender da matéria ao espírito, simplesmente, entre eles, eu finjo existir.

Eu vi o nascimento e o ocaso de civilizações; a ascensão e a queda de impérios, decorrentes, ambos, na maioria das vezes, da ambição humana.

Eu vi e ainda vejo os homens em conflito por coisas simples, se comparadas com a imensidão da morte.

Presenciei Caim, por inveja, tirar a vida de Abel. E ainda a vejo a habitar no coração do homem, como vejo o homem matar o seu semelhante.

Quantas mentiras, calúnias e difamações são ditas em detrimento da honra alheia. E aí lá vou erro corrigir o erro fazendo justiça ao injustiçado, dando de beber a quem tem sede e, obviam-te, castigando a quem deve ser castigado.

Não vi, ainda, acontecer a verdadeira evolução espiritual do ser humano para que possa ele refletir a imagem e semelhança do Criador.

E assim vou atravessando os dias, meses, anos, séculos e mais séculos… Daqui, das margens do rio onde me encontro, vejo uma menina do outro lado.

Olho-a com afeto. Bela! Eu a vi nascer. Acompanhei seus primeiros passos e conheço sua pujança e sua incomparável saga. O seu passado histórico me fascina.

O seu presente, de desenvolvimento cultural, social e politico faz-me antever um futuro altamente promissor e de glórias mil.

O rio a que me refiro é o Rio Cachoeira e menina é Itabuna, a quem parabenizo pelo seu aniversário.