Artigo

Umberto Eco: leia, leia e leia!

Sempre que um(a) grande pensador( a) morre damo-nos conta de duas obviedades muitas vezes esquecidas, em parte por culpa desse nosso caos cotidiano: a morte é a única certeza; a morte iguala-nos a todos. Essa constatação, no entanto, vale para a morte física. Porque pensadores( as), filósofos(as), poetas e escritores(as) geniais nunca morrem. Enquanto suas obras continuarem sendo lidas, debatidas, revisitadas eles(as) permanecerão vivos(as). Disse José Saramago (1922-2010), certa feita: “Escrevemos porque não queremos morrer. É esta a razão profunda do ato de escrever.”Admitindo-se isso, tanto Eco, quanto Saramago e muitos outros que se lançaram nessa aventura que é a arte de escrever,são imortais! Umberto Eco (1932-2016) nasceu em Alexandria, Itália.Foi escritor, filósofo, professor, semiólogo e crítico literário. Tornou-se mundialmente conhecido através do romance “O Nome da Rosa” (1980). Aliás, em entrevista à Globo News (2015), Eco disse, ironicamente, ter tido um grande azar por conta do sucesso daquele romance, uma vez que ficou marcado como “o autor de “O Nome da Rosa”, tal como acontecera com Gabriel Garcia Márquez (1927- 2014) e o seu espetacular “Cem Anos de Solidão”.

Após, portanto, aquele imperecível “O Nome da Rosa”, Eco manteve seu brilhantismo literário e nos brindou, entre muitos outros escritos, com “O Pêndulo de Foucault” (1988), “A Ilha do Dia Anterior” (1994), “Baudolino” (2000), “A Misteriosa Chama da Rainha Loana” (2004) e “O Cemitério de Praga” (2011) e “Número Zero”, esse seu último romance. No momento, quero trazer à baila, “A Misteriosa Chama da Rainha Loana” que conta a história da memória, perdida e (re)encontrada nos escaninhos de um tempo esplendidamente revisitado pelo autor.Yambo, personagem central daquele livro, depois de escapar de um acidente vascular cerebral, descobre que perdeu a memória episódica (que guarda os eventos datados, relacionados ao tempo) esquecendo-se, portanto, de si mesmo, de sua família, amigos, cores e sabores que o cercavam.

No entanto, Yambo preservou a memória semântica (que guarda o significado das palavras), com a qual ele é capaz de citar poemas inteiros ou trechos de grandes obras e autores de todos os tempos. E assim, através desse Yambo-Eco, aprendemos a apreciar a boa leitura, como também aprendemos sobre História, Literatura e Vida!Portanto, Saramago teve razão:escrever é buscar a imortalidade, diante da fatalidade da morte. Entrevistado pelo “Guardian” (2002), Umberto Eco disse: “Não sou um fundamentalista”. Dizendo que não há diferença entre Homero e Walt Disney. “Mas o rato Mickey pode ser perfeito da mesma forma que um haiku (poema curto) japonês o é.”

Em outra entrevista, desta vez ao “Expresso” (2004), Eco contou que sua avó materna, “que tinha apenas cinco anos de escolaridade, era uma leitora voraz”. “Trazia sempre livros da biblioteca, que lia e me dava a ler. Não era seletiva, devorava Balzac e a seguir uma novela popular. Por isso, aos 12 anos, também eu lia Balzac e novelas de cinco cêntimos, o que me deu o gosto pela leitura”. Umberto Eco soube nos conduzir pelo mundo das letras sem fazer disso um drama inacessível, uma viagem cansativa, um exercício penoso.

Vivemos tempos imagéticos. Competimos, exaustivamente, uns com os outros. Vivenciamo sum mundo caótico a cada dia. E, em meio a tudo isso, sentimos falta de nós mesmos.Assim, a leitura, remetendo-nos ao nosso mundo interior, continua sendo um magnífico canal de comunicação a esse nosso “eu” tão necessitado de atenção e cuidado. Nunca se afaste de si mesmo.

Nunca se afaste da leitura. Leia, leia e leia!