Artigo

Ouvir estrelas

O vento a lufar. A madrugada fria. A natureza em prantos. Nos seus aposentos, já acomodado, o sono teimava em não chegar. O seu pensamento ainda continuava nela. Levantou-se, foi ao armário e olhou para o quadro que iria presenteá-la no dia do seu aniversário. Adquiri-o de uma renomada artista. E o fez não só pela beleza da obra, mas, sobretudo, para ver no rosto dela aquele sorriso que o encantava e, também, lá no fundo, para dar contentamento ao seu coração que de há muito em mais nada acreditava.

Lembrou-se, então, do dia em que a conheceu. Na verdade foi numa noite de verão. Havia uma reunião. Muitos poucos amigos se faziam presentes, o que deixava o ambiente mais íntimo e agravável. Não era propriamente uma festa, mas tinha a alegria de uma festa. Conversando reservadamente com um amigo, de onde se achava, notou a chegada de uma moça, vestida de branco. Ficou a observá-la. Ela cumprimentava as pessoas e caminhava sem querer em sua direção e, quanto mais se aproximava, mais sua beleza se revelava. Linda mais que demais, diria Caetano se a visse. Ele que a viu disse ser ela muito mais bela do que Vênus e Afrodite juntas. Sentou-se, por acaso,a sua frente. Ao olhar em seus olhos viu a estrela.

A luz que iluminaria o seu caminho e pela qual procurou em outros planos, em outra dimensão, estava bem ali em sua frente, a sorrir. Meu Deus, é verdade. Ela existe. Pensou consigo. Cautelosamente, disse-lhe: conheço você! Não me recorde de onde. E você não me é estranho, respondeu. Naquele instante,a alegria do reencontro dominava todo seu ser e sublimava-lhe a alma. E a conserva prosseguiu… Anoite avançou. Já se fazia tarde. Despediu- se dela beijando-lhe as mãos. Veio a manhã e sucessão de dias e mais dias. As tentativas de aproximação ou mesmo de reaproximação cediam ao silêncio. Ele nada entendia. Milhões de coisas passavam em sua cabeça. Só não passava a alegria que aumentava a cada instante em seu peito e fazia feliz o seu calado coração. Nada podia dizer, ou confessar, a ninguém, daquele amor, nem mesmo às paredes.

Ah! Poeta, porque sentenciastes“ que a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”. Questionava a si mesmo o porquê do silêncio? Acostumado à solidão,fez do silêncio dela o seu companheiro e a ele confidenciava segredos vindos da alma, imaginando na fantasia dos seus sonhos que o fazia a ela, docemente em seus ouvidos. O seu sentimento tornava-o capaz de ouvir e de entender estrelas, numa sintonia perfeita com o poema de Bilac. Olhos fixos na paisagem retratada pelo artista, atordoado, sentiu ecoarem seus ouvidos aquelas palavras que lhe feriram a alma e destruíram resto de esperança que guardava em seu peito. Decidido,fechou a porta do armário. Pela janela jogou as chaves fora. O vento frio invadiu seus aposentos. Sentou-se à beira da cama. Fez-se forte e sufocou sua paixão. Escondeu-se debaixo da coberta e fingiu acreditar no novo dia, no novo amanhecer, pois tudo estava perdido e fora inútil querer o amor que não mais seria seu.

De mansinho, então,chega-lhe o seu companheiro inseparável– o silêncio dela – e sussurra coisas em seus ouvidos – segredos – que lhe renovaram a esperança, fazendo-o esboçar discreto sorriso na certeza de que nada é por acaso.