Artigo

Inversão de valores

Amélia Rodrigues

Hoje vivemos uma triste realidade: a caravana da sociedade sem rumo, em que a filosofia do “quanto pior, melhor” prevalece em quase todos os casos.

Tacar pedra em profitente de crença de matriz africana, estupros coletivos, esfaquear médiuns, matar mulher a facão, espancar homossexual, racismo nas redes sociais e nas arenas esportivas, radicalismo religioso, fomentar o caos social e político, espalhar fofocas inverídicas (como a morte de atores famosos!) e picuinhas são atos cada vez mais banais entre nós!

Ah, não gosto dessa presidAnta (falam assim!), eleita democraticamente pela maioria, então vou colar um adesivo no carro com ela nua, de pernas arreganhadas, para abastecer combustível! E as pessoas, absolutamente sem noção, crendo estarem fazendo coisa legitimada, abraçam a causa com unhas e dentes vorazes. Num total desrespeito ao ser humano, fêmea, mãe, mulher, a quem antigamente falávamos que “não se bate nem com uma flor”!

Recentemente, conversando com um ex-prefeito da região cacaueira, vim a saber do que ocorre nos bastidores de fato da vida pública. De real, concreto mesmo. Ele (a quem vou declinar de citar o nome, mas é fonte confiabilíssima das informações!) me falou que, ao assumir a prefeitura, existia um cartel em toda a cidade, do delegado, promotor, juiz, vereadores, que recebiam propina da prefeitura. Iam a ele, com cara de pau, e pediam caixinha dois, três, quatro etc., para coisas que seriam de obrigação desses mesmos elementos da sociedade!

Até os vereadores opositores, que faziam todo o teatro da oposição, recebiam por fora, para no fim votar os projetos elaborados pelo prefeito! Não aceitou pagar a ninguém. Num episódio lamentável de aprovação de suas contas, o desembargador -relator do processo pediu-lhe 50 mil depositados na conta de um advogado X até as 17h daquele dia. Assim, na lata! O que meus sábios leitores imaginam que aconteceu com ele, honesto e digno?

Tendo-se recusado a pagar e fechado a torneira para todos, viu as verbas se escassearem, as contas serem reprovadas, começou a atrasar o pagamento dos funcionários e fornecedores, então, foi tido, através de uma manobra da Câmara, como corrupto, safado, salafrário, caçado e demonizado pelos conterrâneos, a quem – como prestador de serviço na área da saúde –, atende de graça a população carente por mais de 30 anos! Depois disso, não conseguiu mais se reeleger! E, um detalhe técnico, não é um pobre miserável, porém humilde e de vida simples até hoje, sem carro do ano ou mansões, atende sem custos a quem lhe bate à porta!

Não virou manchete. Sabe por quê? Porque estamos todos doentes: em transe e paranoia coletivos. Mas não queremos, ou desejamos, nos curar! Achamos certo o errado. Aplaudimos o conveniente. Acostumamo-nos a ver que o que se dá bem a qualquer custo é o ideal, o exemplo, a ser seguido. Os valores e os princípios que outrora regiam as coletividades são peças de museu para o mundo coetâneo.

Mas não é de se admirar ter se chegado a esse ponto. A vida em que as pessoas não conseguem cumprir compromissos mínimos apalavrados, ou seja, ter uma pauta minimamente ética, e em que a família não se encontra fortalecida, estruturada, dando boa e coerente educação, é absolutamente normal essa anarquia ou inversão de sentidos para a existência degradada do homem.