Artigo

O peso da Palavra

Uma de minhas clientes me emprestou uma coletânea de CDs de um famoso padre já falecido. A curiosidade tomou conta de mim, visto que tinha ouvido falar muito a respeito dele, e de suas pregações. Palavras tocantes, discursos inflamados e comoventes, coisas bonitas de se ouvir e até engraçadas em alguns momentos. Sem dúvida, demonstrou habilidade na forma de conduzir suas explanações e sensibilizar as pessoas que tiveram a chance de escutá-lo. Estranhei, no entanto, o peso que eu sentia após o término de cada CD.

Alguns, talvez, arrisquem dizer que o peso estava em minha própria consciência, já que sou pecadora e, como tal, sujeita à culpa, e demais sensações que acompanham o pecado. Não descarto essa possibilidade. Fiquei horas meditando sobre as palavras de Jesus: “o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 30). Algo não estava fazendo sentido. Tive a impressão de que alguém estava colocando um peso na Palavra, talvez forçando ou distorcendo, utilizando-a de modo duro demais. A inflexibilidade do Deus apresentado parecia não condizer com a imagem que possuo de um Deus misericordioso, que estende a mão aos excluídos, que partilha momentos com os pecadores e lhes oferece uma nova perspectiva de vida, sem impor nada, apenas apresentando alternativas mais vantajosas aos corações cansados de sofrer com o erro e as consequências do pecado. Percebi que dentro de uma mesma Igreja as posições se dividem. De um lado aqueles que se julgam acima de qualquer suspeita, eleitos, escolhidos, privilegiados, capazes de apontar o dedo e proferir julgamentos condenatórios, ainda que não investidos dessa autoridade, vez que temos um único juiz (Jo 5, 22).

De outro lado aqueles que exercitam a humildade, confessam limitações, sentem-se órfãos sem a presença do Senhor Jesus, que buscam através da oração, da comunhão, da partilha de seus dons e talentos entre os membros da comunidade, sempre agregando e não dividindo; acolhendo o arrependido, e respeitando o pecador como pessoa em processo de aprendizagem. Ninguém erra porque deseja. As pessoas pecam porque se sentem atraídas pelo pecado, que é a satisfação dos próprios desejos do ego. Buscar a santidade implica em primeiro identificar o pecado em nós, experimentar o arrependimento, ter o propósito e desejar trilhar outro caminho, livremente fazer essa escolha, pedir a graça e a força de Deus para essa empreitada (reconhecendo o quanto somos pequenos e limitados para nos mantermos sozinhos), e finalmente agradecer pelo amor misericordioso de nosso Pai que sempre nos recebe de braços abertos.

A inflexibilidade nos torna cruéis. Sejamos dóceis e compassivos com os demais para assegurar que sejamos tratados do mesmo modo por Nosso Senhor Jesus Cristo (Lc 6, 37-38).