Artigo

Livre…

Vivemos com pressa, muita pressa. Mas, por que tanta pressa assim? Pra quê tanta pressa assim? O que significa essa pressa toda? Dizemos não ter tempo pra mais nada. Nada o quê? Que “coisas” são assim tão importantes a ponto de nos roubar o tempo e nos fazer estar sempre tão apressados? A quem queremos enganar? Mudou o mundo ou mudamos nós? Tudo está mudado ou tudo não passa apenas de uma representação (angustiante) de uma existência vazia? Estamos, constantemente, em busca de “dias melhores na vida”.

Só não sabemos por onde começar, tampouco quando chegaremos “lá” (sé é que “chegaremos lá”) e porque é que “precisamos” tanto exteriorizar essas nossas buscas. Penso que a vida é um fluxo continuo, indefinido e imponderável daquilo que somos (ou supomos que somos) intimamente, silenciosamente, interiormente. Quando exteriorizamos nossas buscas por “dias melhores”, de imediato reconhecemos que o “melhor” não está em nós; daí a pressa. E então começamos a fugir (apressados!) de nós mesmos, porque não nos sentimos bons o suficiente para nos satisfazer.

Compartilho aqui o pensamento de Italo Calvino (“As Cidades Invisíveis”, 1990): “O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço”. Um dia reconheceremos “quem e o que não é inferno”… Mas esse dia só chegará se e tão-somente começarmos por reconhecer a nós mesmos! Não sabemos lidar com o Tempo. E a ideia de “administrar nosso tempo” já está ultrapassada. Assim, ainda sem sabermos de como cuidar do nosso tempo, entregamo-nos à famigerada pressa: pressa para fazer tudo ao mesmo tempo, ainda que não saibamos por que é que temos de fazer tudo sempre tão apressadamente. Às vezes (nos pequenos lapsos de tempo íntimo, particular, introspectivo) percebemos que estamos, por exemplo, perdendo ótimas oportunidades de convívio com as pessoas e o mundo, e nos entristecemos e nos angustiamos… daí então voltamos a ter pressa: pressa para esquecer o que não conseguimos resolver! E por não estarmos em paz com nossos sentimentos e não sabermos o que significa toda essa correria, nos afastamos de nós mesmos! E ao nos afastarmos de nós mesmos, nos afastamos do Tempo e da Vida.

O filósofo materialista francês, André Comte-Sponville, impressionou- me muito em “O amor, a solidão” (2016) ao afirmar que “… ninguém pode amar em nosso lugar, nem em nós, nem como nós. Esse deserto, em torno de si ou do objeto amado, é o próprio amor.” Muitas vezes, desejosos de aplacarmos nossa solidão (porque geralmente estamos sempre com pressa e não ficamos com ninguém) consideramos que a pessoa amada não nos entende… mas ela/ele não nos entenderá mesmo! E já sabemos o porque: “… ninguém pode amar em nosso lugar, nem em nós, nem como nós.” Por isso, precisamos de um momento ou de alguns momentos para entendermos o que as palavras não conseguem expressar… esse é o sinal de que algum entendimento pode estar por vir. Muitas vezes conseguimos sentir o que pensamos, mas não conseguimos exprimir o que sentimos. Nesse ponto, é preciso aquietar-se para encontrar nosso “silêncio interior” e “ouvi- lo” atentamente.

Falamos demais! Ouvimos de menos! Sentimos superficialmente! Deste modo, nenhum tempo será bastante! E tudo isso acontece porque quase sempre não damos a mínima para as “pequenas grandes coisas da vida”: um abraço afetuoso, um olhar compreensivo, um gesto desinteressado. O Tempo está “preso” dentro de nós. E enquanto for assim, viveremos sempre com pressa, com muita pressa….