Artigo

Cartas de Amor

Alerto-vos, de pronto, por intermédio de Álvaro de Campos que: “Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor. Como as outras, ridículas. As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas (…)”. Agora que estão advertidos, não temerei mais: vou escrever a minha Carta de Amor!

Percebo que ler e escrever, compulsivamente, tornou-me muito mais apaixonado pelas coisas e pelas pessoas (em verdade, não sei em que ordem). Por isso, por ser apaixonado, escrevo Cartas de Amor (mas, as escondo! Porque depois de escritas não sei o que fazer delas… Assim, mais tarde, recolho-as, silenciosamente, cuidadosamente, com medo de que despertem e vou para um lugar sossegado e então as queimo… Há um grande sofrimento neste ritual; mas há também algum alívio que estranhamente me renova… E assim, pouco tempo depois lá estou eu de novo escrevendo Cartas de Amor…).

Trabalho para ganhar dinheiro. Mas, pode ocorrer de em meio às tarefas do meu trabalho eu me lembrar de algo assim: “O mundo é salvo todos os dias por pequenos gestos. Diminutos, invisíveis. O mundo é salvo pelo avesso da importância. Pelo antônimo da evidência. O mundo é salvo por um olhar. Que envolve e afaga. Abarca. Resgata. Reconhece. Salva.” Enfim, isso que Eliane Brum escreveu de alguma maneira tem que estar entre o que eu escreveria nas minhas Cartas de Amor… Às vezes me espanto com as coisas do mundo e penso: nada é importante! E então, repito convicto: nada é importante! Nem mesmo as Cartas de Amor! No entanto, não demora muito e eu me lembro que o Amor é importante. E que o Amor torna todas as coisas importantes; inclusive as Cartas de Amor. Então, refaço meu primeiro pensamento e passa para outro lado: tudo é importante, desde que haja Amor! Talvez não seja apropriado, mas, como as Cartas de Amor não precisam de lógica, razão, racionalismo ou coisa que o valha… Lembrei-me de uma música do Tunai: “Só mesmo o tempo pode revelar o lado oculto das paixões. O que se foi e o que não passará, inesquecíveis sensações, que sempre vão ficar pra nos fazer lembrar dos sonhos, beijos, tantos momentos bons…” E claro que imediatamente pensei e senti ou senti e pensei, nunca sei o que vem primeiro dentro de minh’alma, o seguinte: para onde irão nossos amores? Porque nos esquecemos de ser crianças? Porque nos escondemos das pessoas que amamos? Porque o Amor não pode simplesmente ser Amor e não precisar de nenhuma explicação complementar?

O grande poeta russo, Maiakovski, deixou-nos este ensinamento, certamente para constar nalguma Carta de Amor: “Cada um ao nascer traz sua dose de amor, mas os empregos, o dinheiro, tudo isso, nos resseca o solo do coração. Sobre o coração levamos o corpo, sobre o corpo a camisa, mas isto é pouco. Alguém, imbecilmente, inventou os punhos e sobre os peitos fez correr o amido de engomar. Quando velhos se arrependem…” Quantos arrependimentos são precisos para que possamos ser felizes?

Minha Carta de amor está chegando ao fim… Que fim? Não sei. Como saberei? Não sei. Mas, se nem Sócrates soube, porque eu teria que saber… Quanta presunção! Bem, como eu ia dizendo, minha Carta de Amor é esta… Escreva a sua… Seja feliz… Meu mundo, portanto, resulta de palavras inúteis que se angustiam dentro de mim quando não vem à tona. Exponho- as, então, para me aliviar e para passar pelo ridículo (já explicado no início desta “Carta”)… Ouço músicas que me enternecem o coração e sonho com paixões que não lembro. Vivo meus dias (meus melhores dias) escrevendo Cartas de Amor: dentro de mim a claridade desse Amor me cega, mas, só então me enxergo melhor do que sou!