Artigo

É pela cultura que a educação começa

Desta vez vou ficar de fora. E não poderia ser diferente: sou um “anão” entre dois “gigantes”, não tenho nada o que dizer, mesmo! Hoje, coloco à disposição do(a) leitor( a) um “diálogo” sobre Cultura e Educação travado entre Telmo Padilha e Adonias Filho (extraído, alguns fragmentos, do livro de Telmo “Canto de Amor e Ódio a Itabuna”). É uma obra-prima de clarividência! Vejamos:

A verdade é que a educação – escreve o mestre Adonias Filho – por ser passiva, depende da cultura que lhe oferece material, elementos e conteúdo. É a cultura que cria os valores que vão, a seguir, ser incorporadas pela educação. A cultura, precisamente, porque atua no sentido da inovação e da descoberta, é revolucionária. A (educação) porque incorporou o invento ou a descoberta é conservadora. A educação, porém, em certo caminho, e porque conservadora, de tal modo a si mesma si preserva e resiste às invenções, inovações e descobertas. Os exemplos seriam tantos nas ciências e nas artes – sobressaindo-se casos como os de Pasteur e Van Gogh – que seria difícil enumerá-los. Não é segredo para ninguém, aliás, o conflito que sempre se estabelece entre os inovadores e os educadores. Conflito inevitável porque, se os educadores preservam um sistema reconhecido de saber e uma ordem estabelecida de conhecimento, os inovadores os violam com suas próprias invenções.

A educação – diz Telmo Padilha – por ser uma coisa estática e diluidora nos seus propósitos, ou sistematizadora, ou ordenadora segundo princípios previamente consagrados, seria um elemento auxiliar da cultura. A cultura seria o ápice da pirâmide e a educação sua base. Mas nem sempre isso ocorre. Às vezes a cultura independe da educação. No caso das artes e da literatura, a criação sobrepõe-se à escolaridade, transcendendo- a e superando-a. Shakespeare não precisou de universidade para escrever “Otelo”; nem Dostoievski para escrever “Crime e Castigo”… Embora não se espere de um escritor ou de um artista que produza obras de nível sem base teórica mínima e sem conhecimentos que se adquire até o segundo ciclo, é indiscutível que o mais importante escritor e o artista aprendem solitariamente nos livros e nas observações direta e no exercício de seu aprendizado específico. O talento faz o resto.

Cultura é conhecimento interiorizado, observado e comparado. Estabelece-se depois de passar por muitos filtros. O processo é demorado e às vezes penoso. O conhecimento geral, humanístico, conquistado solitariamente no confronto dos livros com a realidade à margem dos “campi”, pode muitas vezes superá-los. Esta conversa não pretende minimizar – o que seria ingenuidade imperdoável – a importância do ensino universitário. O que se quer é situá-lo no seu devido lugar, na sua exata dimensão, preservando-se, por outro lado, aqueles que preferem ou não puderam utilizá-lo para se tornarem grandes nos mais diversos campos do conhecimento humano.

Mas esse tipo de capacitação, se não o comprova o selo universitário, não o aceitam os radicais defensores da escolaridade oficial. A prova é o diploma. Sem ele o sujeito é autodidata. Como se não fôssemos doutos, de certo modo, autodidatas, na medida em que o melhor que produzimos depende mais de nós do que daquilo que nos ensinam. Em literatura e arte seriam autodidatas Luiz de Camões, Dante, Dostoievski, Tolstoi, Gorki, Maiakovsky, Lorca, Picasso, Salvador Dalí… Para o maior escritor de sua geração e a notabilidade que foi em sua época, quando o ensino universitário era ainda mais rigoroso, Machado de Assis não precisou nem mesmo frequentar o curso primário… Ele quis ser um grande escritor e uma notabilidade, e o foi.

Devolvo a palavra – destaca Telmo Padilha – ao mestre Adonias filho: “a arte, como se verifica, se mantém acima de todas as lições da educação que apenas contribui para preservá-la ou esclarecê-la criticamente. Melhorá-la ou aperfeiçoá-la, isso de modo algum. A educação não consegue superar o ato artístico como manifestação cultural. E talvez não se faça necessário para que se afirme não ser possível conciliar a cultura e a educação na mesma órbita. Termino por dizer que é pela cultura que a educação começa”. Bem, aí estão as palavras clarividentes dos mestres… Mãos à obra!