Artigo

Ariano Suassuna…

O que é que está havendo lá pelas bandas dos céus? Será que Deus terceirizou a gestão da Terra para algum político brasileiro? Será que Deus se esqueceu de que a vida, essa de todos os dias, não vale a pena sem prosa e poesia? Será que Deus, o Grande Arquiteto do Universo, o Poeta Ascendente, cansou-se das nossas indiferenças? Ou, simplesmente, Deus não tem nada a ver com o que acontece por aqui?

Não sei, não sei, no entanto, diante do desconsolo e da irreversibilidade da morte (até agora, pelo menos) queixo-me diretamente a Ele: já não basta ter levado Millôr Fernandes, Gabriel García Marquez, João Ubaldo Ribeiro, por que então tirar de nós Ariano Suassuna? Que complô é esse? Que coisa é essa? Não aceito, não aceito não.

            A vida já anda tão complicada, seca, obtusa por que assim, de súbito, Deus, arbitrário, decidiu apagar esta luz tão esperançosa do mundo?! Nesse momento me recordo de Renato Russo: “não tenho medo do escuro, mas, deixem as luzes acessas!” Sim, eu sei que Deus agi arbitrariamente. Mas, Ele bem que poderia agir agora, complacentemente, mantendo acessa a luz de Suassuna. Se, no entanto, Deus for mais uma das invenções do Homem, e não tiver nada a ver com isso, então que o mundo poético se apiede de nós, por não sabermos nadica de nada sobre essa coisa a qual chamamos vida…

            O fato é que eu não vou discorrer sobre as obras de Ariano Suassuna e nem vou colocar as tradicionais datas do nascimento e da morte dele aqui. Não vou resenhar sobre sua literatura, mesmo porque não sei fazê-lo, como sabem tão bem tantos outros interpretes. Muito menos vou dizer aqui o que você já leu, ou lerá, com propriedade e acerto em outras publicações. Minhas doídas palavras se estenderão ao escritor e amigo por adesão, que aprendi a amar! São palavras, neste momento, tristes, dirigidas à literatura universal que se escurece com a perda de Ariano. Por isso é que eu sinto que perder Ariano Suassuna, certamente, é mais do que perder um grande amigo: é saber que, por exemplo, aquelas aulas-espetáculo que ele ministrava, nunca mais acontecerão e isso é mais do que triste; é cruel!

Suassuna tornou-se, entre os meus artistas preferidos, uma espécie de pai, ou avô, daqueles bem arretados. E era, naturalmente, um contador de histórias tão delirantes que ninguém duvidava que não fossem reais! Ver e ouvir Suassuna na TV, nas ditas aulas-espetáculo, que mais do que aulas de vida, eram eternizações do instante nas retinas desses dias tão terríveis, abrandava-me a alma. Suassuna era um Quixote nordestino (ele me repeliria o clichê. Não me importo: amigos também brigam para sempre e fazem as pazes imediatamente depois!), e assim, serenamente, com sua voz rouca e aquela aparente fragilidade, Suassuna apanhava o mundo cambaleante, entre suas mãos longas e seus dedos finos e o punha de pé. Depois com a autoridade da sensibilidade e da emoção, olhando firme nos olhos duros do mundo (ou da vida) ele bradava: sede esperançoso! Sede esperançoso!

Pois é, Ariano Sussuna era um esperançoso incorrigível: “tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver.” Afirmava. E Ariano gostava tanto da “fascinante tarefa de viver” que ainda teve forças para nos deixar outra doçura poética: “quando eu morrer, não soltem meu cavalo nas pedras do meu pasto incendiado: fustiguem-lhe seu dorso alardeado, com a espora de ouro, até matá-lo”.

            Quando a notícia da morte de Ariano Suassuna chegou a mim, emudeci num vazio. Pus as mãos no peito e pensei: e agora, como será sem ele? Apesar de zonzo, ainda pude ouvir uma voz silenciosa me dizer: amar alguém, por escolha da razão, dói em dobro no coração, quando o perdemos para a morte.

Consolo-me e sigo em frente. Porém, as dúvidas incessantes me fustigam: o que é a vida? Que coisa ela é? Nascemos para morrer? Até aqui, pelo menos, é o que tudo indica. Talvez por isso, Pedro Abrunhosa tenha escrito estes versos: “de que serve ter o mapa, se o fim está traçado… de que serve a terra à vista, se o barco está parado… de que serve ter a chave, se a porta está aberta… de que servem as palavras, se a casa está deserta?”

Nota da redação: Texto escrito quando da morte do dramaturgo em julho de 2014.