Artigo

O rapazinho

Corria o ano de 1954 e as matas de Banco da Vitória permaneciam ensolaradas enquanto o Cachoeira corria silenciosamente por detrás do povoado ao encontro do mar. O rio, ao encontrá-lo, abraçava-o como um filho, afetuosamente, abraça o pai. Como todas as tardes, saía de um casebre um jovem franzino, pés descalços, a ausência de camisa mostrava as costelas bem delineadas. Provavelmente, tinha quinze anos, mas parecia ter dez anos. Pele pálida, cuidava da mãe deitada numas tábuas cobertas de capim. Nas noites frias, a cobria com uns molambos que arranjara com os vizinhos. Vinha lentamente, vestido unicamente com uma tanga. A tiracolo, usava uma capanga feita com tecido grosseiro.

          O jovem, ao chegar arodovia, parou um instante. Olhou para a esquerda e a direita. Raramente, passava um automóvel e, quando acontecia de passar um, levantava uma nuvem de poeira, deixando os passantes, momentaneamente, sem visão. Continuou com seu andar lânguido. Vinha triste como eram seus dias. Eu, nos meus oito anos de idade, ficava a repará-lo com o seu andar miúdo.

          Ao chegar ao matadouro municipal, não foi ao curral vê o gado ser abatido. Aquele alvoroço de vozes exigindo a morte dos animais o incomodava. Ali, estava uma réplica da arena romana. Se ao invés de animais fossem gladiadores, o vozerio seria o mesmo? A alfabetização e o trabalho fariam paulatinamente aqueles novos romanos mudarem seus hábitos? Creio que sim.

          O rapazinho, na sua tanga surrada, encaminhou-se para o local, onde as mulheres agachadas, empunhando facas, cortavam as vísceras dos animais. Algumas peças desprezadas eramlançadas a um canto. O rapaz rapidamente corria para pegá-las. As mulheres nem percebiam a presença do jovem.Já estavam habituadas a vê-lo todas as tardes. As pelancas eram velozmente empurradas para dentro da sacola que permanecia a tiracolo. De vez em quando, umas das mulheres, a maioria gordas, via-o e se condoía. Lançava um pedacinho de carne e um osso, cheio de tutano, que poderiam render uma boa sopa. Velozmente eram empurrados para dentro da sacola, temendo que alguém pudesse surrupia-los.

  Alguns dos rapazes o molestavam. Diziam vários epítetos e um deleseram o de   tiloso bebé. Nunca compreendio significado deste apelido.

  Fazia verão e quando, porém, viesse a época das chuvas trazendo o frio, ele, além de fome, sentiria frio. No ano seguinte, minha família se mudou para Jussari.  Voltei a Banco da Vitória algumas vezes, contudo não consegui localizar o rapazinho. Onde ele estiver, aqui, ou do outro lado da vida, desejo que esteja confortado com sua alma sofrida.