Artigo

Libertos

Quincas gostava de aprender. Por isso, Seu Manoel Carvalho o enviara ao Recife. Lá, poderia virar doutor. Em Ilhéus, o máximo que se tornaria era num rico fazendeiro de cana, como o pai.

Dez anos depois, volta Dr. Quinzinho, um mestre dos conhecimentos jurídicos, cheio de “Data Venia” e “Dura Lex Sed Lex“. Da capital pernambucana, trouxera também, dois amigos de imensa cultura.

Sabia que aquela terra, cada vez mais próspera, era o campo fértil para o lançamento daquelas pessoas, ricas de inteligência, mas desprovidas de capital, berço e branquitude: Jean e Antônio.

Os dois jovens de pele retinta eram parte da razão do sucesso de Joaquim no curso de Direito. Formavam com ele o grupo dos excluídos da elite social que tiveram a audácia de frequentar a cátedra recifense.

E, talvez, o que tenha surpreendido mais aquela elite, foi o desempenho do trio.

Apesar de se passarem três décadas da decretação da liberdade dos negros, era difícil para os do topo da pirâmide aceitar que os dois criolos e o matuto se tornaram os melhores frutos daquela academia.

Quinzinho retribuiu a camaradagem e companheirismo que Antônio e Jean cultivaram nos anos de estudo. Convidou-os para juntos montarem uma banca em Ilhéus.

Pagou, inclusive, as despesas de transporte do grupo até a Fazenda Riachinho. À época, a sede das mais de vinte propriedades agrícolas de seu pai.

Foram todos recebidos e tratados como filhos por Seu Manoel e Dona Dorinha Carvalho.

Antônio e Jean podiam frequentar, pela primeira vez, um ambiente rico sem a carga de desprezo e preconceito em razão de seus cabelos crespos, epiderme escura e traços fortes de africanidade.

A única coisa que perturbava o clima de paz e aceitação, era uma antiga cantiga que alguns empregados da fazenda insistiam em cantar, com um estranho sorriso mal disfarçado.

Toda vez que se viam a sós com um dos doutores pretos, entoavam:

“Samba neguinha.

Não sei sambar.

Pega o chicote

Que ela samba já!”