Entrevista

Entrevista com o advogado Eurípedes Brito Júnior, professor de Direito de Informática da Universidade Católica do Salvador e de Processo Eletrônico da Escola Superior de Advocacia

Direitos – Dr. Júnior, o senhor ensina Direito de Informática, um ramo do Direito que nos parece derivado direto dos avanços da ciência da informática no mundo atual. Tendo o senhor formação jurídica, como ocorreu essa  escolha?

JR – antes de  ingressar na Faculdade de Direito, formei-me em engenharia elétrica, com ênfase em eletrônica e telecomunicações. Trabalhei durante mais de seis anos como engenheiro de telecomunicações. Atualmente, as telecomunicações estão intimamente ligadas à informática, especialmente após o advento da internet comercial. São as novas tecnologias da informação e comunicação.

Direitos – Como assim?

JR – A informática é ferramenta presente em nossas vidas: pessoal, acadêmica, profissional. A internet é, induvidosamente, um palco de relações sociais. Entrou no Brasil pela porta da academia, em fins da década de 1980. Em 1993 surgiu a internet comercial nos Estados Unidos, e em 1996 no Brasil. Desde então não parou de expandir-se. Todos os assuntos estão publicados na internet. Assim, há sites de relacionamentos pessoais, como o Facebook e o Orkut, dentre outros; revistas eletrônicas, bibliotecas inteiras para a pesquisa em qualquer área do conhecimento humano; os tribunais brasileiros disponibilizam seus Diários eletrônicos em sítio da internet e até a prática de atos processuais à distância têm sido regularmente praticados, com o protocolo de peças processuais nos balcões eletrônicos dos tribunais na internet, tais como iniciais, contestações, recursos, despachos e sentenças. No sistema Projudi, utilizado pelos Juizados Especiais Cíveis da justiça comum em quase todos os estados da federação, é possível ajuizar a petição inicial acompanhada de documentos, todos assinados digitalmemte, a partir do escritório do advogado, de sua residência ou de qualquer lugar do planeta em que for tecnicamente possível o acesso à internet. Da mesma forma são tratados os demais atos processuais que dependam de manifestação escrita. Os tribunais superiores e os tribunais regionais federais também possuem sistemas de processo eletrônico ou informatizado.   

Direitos- Mas para o senhor ficou mais fácil….

JR – Em tese, sim. Em verdade, iniciou-se uma nova batalha contra as resistências injustificadas e os equívocos sedimentados. Tanto no âmbito da academia quanto no âmbito profissional. Na academia, porque há resistência das instituições de ensino superior (IES) em inserir na grade curricular uma disciplina que estude as repercussões jurídicas dos atos praticados através dos meios eletrônicos, especialmente a internet. Ao invés de criar disciplinas que debrucem sobre esta problemática, ou mesmo de abordá-las no escopo das disciplinas tradicionais, as IES vêm excluindo a disciplina da graduação, deixando-a para cursos de extensão e pós-graduação. No âmbito profissional, parece que somente os advogados – e apenas os mais ligados à temática – compreendem perfeitamente as implicações e os riscos da operação do processo eletrônico, em virtude da forma como os tribunais estão informatizando o processo. A informatização é inevitável. A questão é como fazê-lo sem transferir para o jurisdicionado os riscos de uma migração para sistemas que inspiram pouca confiança, para sistemas não interoperáveis entre si, que não se comunicam, e que não cumprem sua finalidade. Ou seja, aos operadores do direito, não basta utilizar os sistemas como autômatos, mecanicamente. É preciso criar uma visão crítica. Formar a massa crítica propiciará o aperfeiçoamento dos sistemas. 

Direitos – Mas restou-lhe também ensinar…

JR – Passei a estudar o direito da informática no início da década de 1990 e o direito na internet em 1996. Em 1998 fui convidado pelo professor Thomas Bacellar, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador, para criar o Plano da Disciplina Informática Jurídica e Dieito da Informática. Em 2000 recebi o convite para lecionar a matéria, que aceitei, para a primeira turma do Norte e Nordeste do Brasil. Na ocasião, a literatura era muito restrita. Antes de 2000, tínhamos no escritório alguns livros e artigos indicados por palestrantes em eventos dos quais participei e outros livros adquiridos por meu pai em viagem à França. Também adquiri algumas obras na livraria Amazon.com. Em 2000 algumas boas obras nacionais foram publicadas. Em julho de 2001 estive no Berkmann Center for Internet & Society, um centro de pesquisa em Cambridge, cidade vizinha a Boston, EUA, ligado à Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, para um curso ministrado pelas maiores autoridades sobre o tema Direito na Internet. Adquiri excelentes obras nas livrarias de Boston e Cambridge. Como advogado enfronhado com o assunto, sinto-me compedido a passar adiante meus conhecimentos, para benefício da advocacia e da sociedade, seja na academia, com aulas e palestras, seja nos cursos e seminários sobre de processo eletrônico, voltados para o mundo profissional, e ainda como membro de comissão no Conselho Federal e na Seção Bahia da OAB, tendo sido convidado pelo Presidente Saul Quadros, em 2010, a formar e presidir a Comissão de Informática Jurídica desta seccional. 

Direitos – O senhor foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI)?

JR – Não. O instituto foi idealizado pelo juiz pernambucano Demócrioto Reinaldo Filho, e criado em 1999. Meus ingresso se deu em 2000, meses antes do 1° Congresso Internacional de Direito e Tecnologias da Informação (Cibercon), que ocorreu na bela sede do TRF da 5ª Região, em Recife, em novembro, e no qual apresentei o trabalho A Ética do Advogado na Internet. Fui seu terceiro presidente, tendo realizado o III Cibercon em Salvador, em agosto de 2004. O IBDI congrega estudiosos dos temas relacionados ao Direito na Tecnologia da Informação e Comunicação. Atualmente é presidido por Omar Kaminski, advogado paranaense, profundo conhecedor das matérias sobre as quais se debruça o instituto.  

Direitos – Como foi o III Cibercon, sob sua presidência?

JR – Foi uma trabalheira tão grande que cheguei à beira da desistência. Busquei o apoio de escritórios de advocacia, o que obtive com grande dificuldade. Um colega chegou a dizer que não apoiaria por acreditar que o evento seria para propaganda de meu escritório. Por muito pouco não desisti. Meu pai ajudou-me, incentivando e apresentando o evento aos tribunais e a instituições baianas. Também contei com o importante apoio do Secretário Geral do evento, Thiago Tavares, fundador e presidente da ONG Safernet, que me segurou nos momentos mais difíceis, juntamente com Cinthia Oliveira, a assessora do III Cibercon. Por fim, o evento teve grande sucesso e destaque nas páginas dos grandes jornais. Contamos com a colaboração do Ministério Público do Estado da Bahia, dos Tribunais do Trabalho e do Estado da Bahia, do Governo do Estado, da Petrobrás, da OAB Bahia, do Conselho Federal da OAB, da UNEB, Faculdade Ruy Barbosa, Fapesb e de outras entidades. Valeu a pena o esforço e o trabalho. 

Direitos – E os seus planos para o futuro?

JR – Minha paixão é a advocacia. Também pretendo manter-me mobilizado em transmitir aos colegas meus conhecimentos práticos e teóricos sobre processo eletrônico nos cursos que a Escola Superior de Advocacia tem ofertado.

Direitos – Mas o senhor também é publicista.

JR – Tenho alguns trabalhos publicados sobre processo eletrônico, em revistas especializadas em Direito, em Processo e em Direito da Informática. Também presidi a comissão organizadora dos anais do III Cibercon, que, além da comissão organizadora do evento, contou com importante relatoria geral do pesquisador Fábio Reis, doutorando em criminologia comparada pela Universidade de Sheffield, Inglaterra, edição do advogado baiano Rodrigo Alves, especialista em Direito Empresarial e em Direito Comercial, pela PUC-SP, e revisão do professor Samuel Cersosimo, bacharel em direito e autoridade em matéria de processo eletrônico.

Direitos – Mas o senhor não se limita ao Direito de Informática.

JR – A demanda nesta área é pequena, mais voltada para a consultoria preventiva, embora haja uma demanda judicial frequente envolvendo a prática de atos nos meios eletrônicos. Minha advocacia diária é mais voltada para o Direito Empresarial, do Consumidor e Responsabilidade Civil. 

Direitos – Dr. Júnior, ficamos muito grato pela sua gentileza em nos receber em seu escritório, arquitetonicamente muito bonito, sem dúvida um dos maiores da Bahia e que nos dá mesmo uma grande satisfação.

JR – Estou e permaneço à disposição da Revista Direitos e dos colegas acadêmicos e operadores do direito, para juntos pugnarmos pelo aperfeiçoamento das instituições do estado democrático de direito.