Entrevista

Entrevista com o atuante professor universitário e promotor de Justiça do Estado da Bahia Inocêncio de Carvalho Santana.

Entrevista com o atuante professor universitário e promotor de Justiça do Estado da Bahia Inocêncio de Carvalho Santana que falará sobre os dezenove anos do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nª 8.069, de 13/7/1990).
Formado em Direito na UESC em 1995, pós graduado pela Universidade Católica do Salvador 1996, em Direito Público; Graduando em Psicologia (UNIME); Promotor de Justiça desde 1996, Professor da UNEB (1998-2003); UEFS (desde 2003); Faculdades Montenegro (2000 –2005); FTC (desde 2007); UNIME (a partir de 2008), ministrando diversas disciplinas: Processo Penal, Criminologia, Direito da Criança e do Adolescente e Direito das Famílias.

DIREITOS – Como o Sr. Avalia os dezenove anos de Estatuto da Criança e do Adolescente?

Inocêncio – O Estatuto da Criança e do Adolescente representa um marco na política (executivo e legislativo), bem como nas questões conduzidas ao judiciário, a partir daí muda-se os rumos de concepção e interpretação do “ser criança” e “ser adolescente”, considerando-se sujeito de direito ainda em desenvolvimento físico e psíquico. Representa o abandono da Doutrina da Situação Irregular e passa-se a adotar a Doutrina da proteção Integral. É claro que temos muitos avanços que necessitam ocorrer e o mais importante deste avanço – a meu ver – é realmente sua implementação em todo país visando dar proteção, educação e condições para que a criança de hoje possa ser o homem do futuro com suas garantias individuais, bem como construir através da proteção, educação a criança o cidadão consciente do amanhã.

No entanto, é de se admitir, se olhamos grosso modo veremos que o Eca proporcionou uma outra visão da sociedade em relação às crianças.

Sabemos que toda lei que proporciona uma revolução cultural produz avanços lentos, pois há necessidade de adaptação, aceitação e muita propagação. Sendo assim, o ECA vai tornandose realidade aos poucos, sendo inserido e firmando cada vez mais tanto na sociedade, quando em ações governamentais.

Se consideramos que desde sua publicação, apenas três gerações, no máximo, de advogados estudaram o Estatuto da Criança e do Adolescente, durante os cursos de graduação em direito nas unidades de ensino superior. (lembrando que nem todos os cursos tem a disciplina em suas grades) Ainda é pouco.

Tem-se um futuro a ser conquistado, são muitos os desafios e as conquistas são, normalmente, lentas, em um país com o dom de aprofundar as desigualdades sociais e que é preciso desconstruir os mitos sobre o ECA.,
uma vez que ao longo desses anos, o estatuto foi vinculado à impunidade dos adolescente e à possibilidade de tirar o poder dos pais sobre os filhos, além de ser considerado uma lei para países desenvolvidos. Esses mitos fizeram com que alguns segmentos da sociedade se posicionassem contra a lei. Temos que superar essa visão equivocada de que o estatuto é para crianças pobres e para crianças em conflito com a lei.

DIREITOS Qual a conquista significativa ao longo desses anos de vigência do ECA?

Inocêncio – Na Bahia uma ação integrada do Ministério Público conseguiu criar Conselhos Tutelares em todos os seus municípios.

Esse aspecto é muito positivo É ver que, na Bahia todos os municípios já tem Conselhos da Criança e do Adolescente e assim, há os Conselhos Tutelares. Ao meu entender este é um grande avanço. No entanto é preciso implementar e capacitar os seus membros.

Outro avanço também significativo é a realizações das conferencias municipais, estaduais e federal se realizam visando refletir os avanços, os desafios, produzir políticas de implementação do ECA. Enfim, atualizar as necessidades da realidade.

No entanto, como dito, precisamos ser consciente que na prática o ECA na maioria dos municípios não estão estruturados devido a omissão dos poderes públicos, dos conflitos locais entre o Executivo e Judiciário, por vezes a omissão de órgãos de execução do Ministério Público, a falta de esclarecimento da sociedade sobre suas responsabilidades dentro do estatuto.

DIREITOS – O advento do ECA reduziu a criminalidade infantil?

Inocêncio – É necessário esclarecer que o surgimento do ECA não traz esse escopo de redução de criminalidade infantil. A proposta é introduzir no corpo legislativo pátrio uma lei garantidora, inclusive de natureza preventiva, dirigida a assegurar as medidas de caráter político apontadas para a proteção e desenvolvimento da criança e do adolescente independente de situação (ir) regular. É certo que não podemos negar que o alto índice violência hoje gerado pelos adolescentes está relacionado a esta falta de estrutura na implementação das políticas públicas e sociais as quais estão contidas no ECA, com ênfase aos adolescentes em conflito com a lei. Infelizmente, as medidas sócio-educativas é um desastre devido a fatores estrutural de implementação por parte do judiciário que é desprovido de equipe disciplinar, de locais adequados para execução das medidas, emfim. Então, quando se diz ser contra a menoridade penal é justamente partindo deste principio, isto é, se o estatuto não está sendo implementado de forma plena, como então prevenir que aquele (adolescente) não torne o paciente (réu) das demandas das varas criminais de manhã? Se é o adolescente o qual o estatuto foi para ele criado, ser protegido no sentido de reeducação. A questão é estrutural.