Entrevista

Entrevista com Ministra Eliana Calmon Alves

A senhora foi a primeira mulher a chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Como foi recebida pelos colegas?

Eliana Calmon – Tive uma chegada surpreendente. A Corte ficou madura e entendeu que estava na hora de colocar uma mulher. De forma que estavam certos do que fizeram. Mesmo porque o judiciário foi o ultimo poder a abrir as portas para nós. Havia uma reivindicação das organizações não–governamentais femininas ao presidente da República para mudar esse quadro. Foi aí que Fernando Henrique Cardoso assinou uma carta de intenções comprometendo-se e cumpriu. Me fez ministra e no ano seguinte fez a Ellen Gracie, para o Supremo Tribunal Federal, com quem eu concorri ao STJ. Ela ficou como remanescente da lista. Eu fui escolhida; no ano seguinte, foi ela.

Como é sua rotina?

Eliana Calmon – É uma rotina pesada. Eu acordo às cinco, às cinco e meia estou na academia de ginástica e fico até sete e vinte. Volto para casa, tomo café da manhã e às nove começo a trabalhar no gabinete em casa. Meio-dia, vou para o STJ e fico das 14 às 20 horas, e ainda levo trabalho para casa. Mesmo pela manhã, não dá para dar conta de tudo, porque estou em contato permanente com o gabinete. É telefone, muito pedido. Todo mundo hoje tem um processo na Justiça, é uma “pedição” sem fim.

Costuma atender “pedição”?

Eliana Calmon – Sim. Quando sou relatora de um processo, já mando para meu assessor, que faz a administração dos processos pedindo prioridade. Aí coloco prioridade 1,2,3, a depender da situação: para os que têm mais de 65 anos, urgente, urgentíssimo, aí vou fazendo. Quando não sou relatora, costumo
fazer um bilhete para meu colega dizendo que eu gostaria de contar com ele para dar prioridade naquele processo.

Com tanto trabalho, como fica a vida social, a família?

Eliana Calmon – Meu filho mora no meu prédio e tenho um neto de oito meses, mas sobra pouco tempo para estar com eles. É uma
maldade, mas é tanta coisa…Se eu ficasse no Tribunal, só com os processos, dava tempo, mas eu viajo muito para fazer palestras, eu sou muito professora. Acho que uma pessoa como eu precisa ser conhecida nacionalmente, sob o ponto de vista jurídico, porque sou muito contestadora e uma critica ferrenha do Poder Judiciário.

O que mais critica no Judiciário?

Eliana Calmon – Eu sou magistrada de carreira e acho que essa coisa de escolha torta do Judiciário, com viés político, não está certo. Isso faz com que as decisões tenham conteúdo político e não técnico. E eu acho que o STJ não é um tribunal político, é um tribunal técnico, então tem que ser cada vez mais técnico.

Ao contrário do STF, o que a senhora acha que pode ser político.

Eliana Calmon – É isso, eles defendem, interpretam a Constituição, são políticos, não precisam ser magistrados para ser escolhidos pelo presidente da República. Mas o STJ, este tem de ser tribunal equilibrado. Você não pode formar um tribunal, que é como está, com maioria, majoritariamente, de advogados. Porque uma pessoa que exerce um cargo de desembargador durante um ano e oito meses não é um magistrado, é? Eles são diferente, a postura é diferente, a forma de sentar na
cadeira é diferente.

Por que são diferentes?

Eliana Calmon – Porque eles são mais ricos, eles precisam ter uma vida social. O magistrado atravessa a vida dentro do gabinete, trabalhando, estudando, pesquisando.
Não faz questão de ter amizade com políticos, ao contrário. Toda formação dos magistrados no Brasil é pra você se afastar das influências políticas. O advogado é
exatamente o contrário. É um homem bem posto, que tende a andar bem vestido, que tem de ser simpático, fazer relações de amizade. Então, na hora que eles chegam a esse
cenário político, dão um banho em cima dos magistrados.

E, na opinião da senhora, qual seria a solução para isso?

Eliana Calmon – A que foi dada na Justiça do Trabalho. Cada um lá guarda a sua origem. Se você era advogado e chegou ao Tribunal como advogado, será sempre advogado.

A senhora foi eleita pela revista Forbes como uma das 100 mulheres mais poderosas do Brasil. Sente-se poderosa?

Eliana Calmon – Não, não me sinto. E acho que não sou. Para decidir alguma coisa, preciso de dois votos da minha turma e preciso da comunhão de mais seis votos da sessão. Sou uma mulher de muito bom senso e estudei a minha vida toda, de modo que sei um pouco de direito e tento dar as decisões de uma forma muito técnica. E por essa forma de eu ser, sou muito seguida pelos meus colegas, a influência do relator é grande e, como eu brigo muito, e brigo por posições jurídicas…

A senhora planeja ir para o CNJ. Como vê a atuação do conselho no controle do Judiciário?

Eliana Calmon – Vou até explicar minha pretensão de ir para lá. O CNJ é composto por conselheiros que são presididos por um ministro do Supremo Tribunal Federal, que é o próprio presidente do STF. O vice-presidente do CNJ é um ministro do STJ que acumula a função de corregedor. Ora, a corregedoria é
de importância fundamental porque é o trabalho de uma supercorregedoria, já que as corregedorias existentes nas justiças de todo o País sempre foram ineficientes. Mas, hoje, um corregedor tem a força suficiente porque tem um corregedor-geral, que é um ministro, que não depende dos tribunais. O Judiciário tem uma estrutura deformada. Como ele controla tudo, se acha acima do bem e do mal. Mas ele precisa ser controlado, pelos desvios, pelas irresponsabilidades. O ministro do STJ que assume o CNJ é eleito, essa eleição se faz pela indicação do membro mais antigo. Dentro dessa ordem, a próxima seria um ministro que está na minha frente e que será
vice-presidente do Tribunal. O segundo mais antigo está no CNJ, que é o ministro Gilson Dipp, hoje o atual corregedor, e naturalmente o próximo será eu.

Como a senhora vê a questão da morosidade da Justiça?

Eliana Calmon – Isso aí é uma tragédia, ninguém agüenta. Existe uma disfunção na atividade. Mas existe também, por parte de cada um, falta de empenho em querer fazer com que a justiça ande. A carreira de magistrado é muito desestimulante. Na medida em que há escolhas, e escolhas pessoais, pautadas por influências, onde não se valorizam a força e a qualidade, tudo isso reflete no desânimo da categoria. A magistratura precisa é de autoestima.
Entrevista concedida ao jornalista Ronaldo Jacobina, da revista Muito, que circulou com o jornal A Tarde, de Salvador, em 23 de maio último.