Entrevista

Entrevista com Naomar Monteiro de Almeida Filho, reitor pro tempore da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

As aulas da UFSB devem começar em setembro deste ano. Em quais cidades? Quais cursos já estão prontos?
Naomar Monteiro – Esta é uma das vantagens do regime de ciclos. Vamos abrir os quatro bacharelados interdisciplinares nas três sedes da universidade (Itabuna, Teixeira de Freitas e Porto Seguro). Além deles, vamos abrir também uma rede nos municípios de menor porte. Nos municípios que têm mais de 20 mil habitantes e mais de 200 egressos do ensino médio público, vamos abrir, na escola de ensino médio do município, um pavilhão que será o colégio universitário.

Como vai funcionar esse colégio?
Naomar Monteiro – É parecido com o Community College, que é o curso curto de dois anos. No nosso caso, será ainda mais curto. Em um ano e meio, o aluno poderá completa-la. Ele começa o BI em sua cidade e só vem para a sede para a conclusão. Isso permite ter um número maior de alunos atendidos e, ao mesmo tempo, a inclusão social de quem, por condição socioeconômica, não iria à universidade.

Esse um ano e meio seria a fase preparatória para entrar no primeiro ciclo?
Naomar Monteiro – É dentro do primeiro ciclo. A estruturação é idêntica. A única diferença é que será ministrada em ambientes virtuais de aprendizagem.

Mas as cidades do interior têm uma dificuldade tremenda com sinal de internet, há pouquíssimos provedores?
Naomar Monteiro – Essa é a grande questão, e estamos decididos a investir uma parte importante dos recursos de capital da universidade para conseguir criar essa rede, porque, de fato, as dificuldades são grandes.

Até porque as escolas rurais trabalham muito com isso. Pegam o carro e levam para a sede e tem esse aparato tecnológico que não é bem usado.
Naomar Monteiro – Mas já está começando a ser usado. A Secretária da Educação tem um programa muito bom chamado MTech. Eles usam satélites em área rurais que são até menores do que são essas, e já temos 16 mil jovens na Bahia fazendo ensino médio por meio desse sistema de satélite. Outro exemplo é a universidade Aberta do Brasil.

Mas as universidades ainda não exploram esse potencial da internet…
Naomar Monteiro – As universidades públicas não estão usando, mas as universidades privadas estão. Você vai ao interior, com todas essas dificuldades que você fala, mas você tem lá uma faculdade privada anunciando e tendo alunos com conteúdos gerados no Sul do Brasil, sem supervisão, porque é um modelo muito autodidata. O que a gente está desenhando é o uso desses recursos, de modo que possamos potencializar as atividades realizadas na sede, transmitindo em tempo real as aulas para essa rede de colégios universitários. Agora, esse modelo totalmente a distância tem problemas. O principal é que perde o vínculo com a universidade. O aluno fica isolado. Então, o que vamos fazer? Conhecendo a região, sabemos que o sábado é o dia mais rico nas cidades pequenas. Tem a feira. As pessoas nas cidades maiores voltam para visitar a família, o pessoal da roça desce para a pequena cidade. Então, vamos usar os sábados para a supervisão, coordenação e avaliação, sendo que as equipes das três sedes vão se deslocar em rodizio, para dar supervisão aos alunos. Esse modelo, a gente está chamando de Rede Anísio Teixeira de Colégio Universitário, pois Anísio Teixeira, em 1952, antecipou esse conceito.

Mesmo sem internet…
Naomar Monteiro – Sim. Ela já falava em usar rádio e televisão, que eram invenções recentes, para difundir conhecimento dessa maneira.

O senhor disse que a própria universidade pretende investir em sinais ou em uma estrutura própria para a internet. Como seria isso?
Naomar Monteiro – A meta é usar fibra ótica e fazer três anéis, aproveitando o tronco das BR 101 que corta a região de norte a sul, Esse é um projeto relativamente caro, mas o governo da Bahia já tem esse planejamento realizado. Nós vamos acoplar o que estamos chamando de Rede Giga Sul ao projeto do governo do Estado. Conseguimos aprovar no Congresso uma emenda parlamentar destinada a unir o campi de todas as universidades federais do interior e todas as universidades estaduais e todos os institutos federais de educação da Bahia. Aí a gente vai trabalhar com a bancada para que esses recursos serão liberados.

Qual a verba ser alocada?
Naomar Monteiro – A emenda aprovada no Congresso Nacional é de R$ 36 milhões para federais e R$ 18 milhões para as estaduais, acopladas à Rede Nacional de Pesquisa (RNP), que funciona no Ministério de Ciência e Tecnologia.

Essas cifras seriam apenas para esse investimento tecnológico?
Naomar Monteiro – Sim. Para implantar uma rede. Enquanto isso, a proposta é usar esse sistema de satélites que a Secretaria da Educação dispõe e começar com alguns poucos colégios universitários experimentalmente e, depois, ir estendendo a outros municípios. Caso alguma prefeitura se responsabilize em implante em seu município uma banda larga suficiente para que a gente possa, podemos priorizar esse município. O último detalhe é que nos municípios com menos de 20 mil habitantes e que têm menos alunos no ensino médio, iremos acolher os consórcios municipais, que já estão sendo formados na região espontaneamente. Por exemplo, Coaraci não tem 20 mil habitantes e não tem 300 alunos egressos do ensino médio, mas está pertinho de Almadina e de Itapitanga. Onde, juntando os três municípios, dá 36 mil habitantes, e as três escolas de ensino médio, dá 320 egressos. Aí eles chegaram, reuniram- -se e nos apresentaram uma proposta: em Coaraci, abrimos um colégio universitário para atender aso três municípios. Aceitamos, claro.

Isso na região sul. Não passa para outras cidades de outras regiões?
Naomar Monteiro – Essa é uma situação realmente interessante. Desenhamos o modelo da universidade para o orçamento que temos, para o número de professores e para a região. Ocorre que os prefeitos dos municípios limítrofes têm procurado a gente e eles estão querendo que os municípios deles abram colégios universitários. Já chegamos até Valença e Gandu, Acredito que é um modelo com um investimento muito eficiente e que possamos alcançar um número muito maior de alunos do que a universidade tradicional, que chega, implanta-se no lugar e os alunos chegam. A gente vai ter campi nas três cidades-sede, mas criando essa rede de captação de alunos para não ocorrer o que já ocorre em todas as experiências de interiorização de cidade. Quanto melhor o curso interiorizado, menos gente da região entra. O melhor curso de medicina do Norte-Nordeste do Brasil está na Bahia, em Itabuna-Ilhéus, na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). É curso que tem 120 candidatos por vaga. Tem o exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 4,6 (nota máxima é 5). Tem anos que não tem ninguém da região, a proporção de baianos no curso é de 5%. O jovem pobre da região não tem a menor chance de entrar nesse curso e em curso desse tipo. O mesmo ocorre com engenharia civil, em Barreiras, cinema em Cachoeira. Por quê? Porque as universidades foram implantadas no local, mas sem criar essas raízes.

Fonte: Revista Muito.