Entrevista

Entrevista com a Ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Delaíde Alves Miranda Arantes

A senhora foi uma das indicadas na área de economia em premiação do jornal O Globo dedicada a quem “faz diferença” – 2013. O que a senhora tem feito de diferente?
Delaíde Arantes — Se você analisar, o número de pessoas que faz diferença no Brasil é muito grande. Aparecer em uma lista na área de economia resumida a três pessoas é uma honra. Além de ministra sou cidadã, e como cidadã preciso me preocupar em contribuir para que nós possamos aperfeiçoar a democracia, construir uma sociedade mais igualitária. Sempre me preocupou muito a desigualdade, desde quando ingressei na carreira jurídica, há 33 anos. Quando trabalhei de doméstica, mais ou menos entre 1967 e 1968, a categoria não tinha nenhuma legislação de proteção. A CLT, que completa agora 70 anos, e a Constituição cidadã, com 25 anos, são dois processos de avanços de conquistas trabalhistas e sociais nas quais os domésticos foram excluídos. Então há 22 anos eu lancei um livro: Trabalho Doméstico — Direito e Deveres, em que eu tinha a preocupação de esclarecer o trabalhador doméstico. O livro, que já está na sexta edição, me fez participar de vários eventos, atuar com uma preocupação muito voltada para essa área. Mas não exclusivamente, porque tenho uma preocupação grande com as outras áreas. O Brasil é um país maravilhoso, mas a gente convive com uma desigualdade gritante. E eu sempre me preocupei em botar o meu tijolinho nessa construção.

Foi por isso que a senhora apareceu no último ano como interlocutora na hora de discutir a PEC das Domésticas?
Delaíde Arantes — Sim. Através do Tribunal Superior do Trabalho, estive no Senado, me reuni com deputados, analisei pontos da proposta em conjunto com o presidente [do TST] Carlos Alberto e com outros ministros. Existem muitas peculiaridades: por exemplo, tem doméstica que emprega doméstica. Como o legislador vai aplicar a CLT e a Constituição sem levar em consideração essas peculiaridades? Essa é uma das razões da demora do avanço legislativo. Então, ali no Tribunal Superior do Trabalho tivemos oportunidades de prestar nossa contribuição.

Mas ainda há alguns pontos dessa PEC que precisam ser regulamentados. O que a senhora espera dessa regulamentação, quais questões principais precisam ser discutidas?
Delaíde Arantes — Eu faço um apelo para que o Congresso não demore a aprovar a regulamentação, porque [a ausência dela] causa uma confusão grande. Me preocupo muito com os trabalhadores domésticos, mas também me preocupo com os empregadores. Quando foi promulgada a Constituição de 1988 as empresas diziam que não conseguiriam cumprir todos os direitos, que teriam de fechar. Eram milhares de empresas, não é? Agora, empregadores domésticos são milhões. E existe uma dúvida, uma insegurança jurídica grande por parte dos empregadores. Há poucos dias tive uma consulta e a médica me perguntou: “Como fica o fundo de garantia, já sou obrigada a depositar?” Veja bem, se a médica tem esse questionamento, imagina-se que essa dificuldade é abrangente. Com a regulamentação é possível esclarecer a população, pois até a mídia contribui com explicações. O período atual é de insegurança, por isso não pode demorar…
Além do FGTS, a senhora destaca algum ponto que ainda causa dúvida?
Delaíde Arantes — Outro ponto que gera polêmica é sobre o intervalo. Às vezes a empregada doméstica não quer usufruir do intervalo de uma hora. É também difícil aplicá-lo às babás, às pessoas que moram na residência, aos cuidadores de crianças, de idosos, de pessoas com problemas de saúde. No caso dos cuidadores, por exemplo, como os empregadores ainda não estão organizados em sindicatos, esses profissionais podem fazer acordos individuais para suprir questões sobre a jornada de trabalho, já que não há negociação coletiva.

O tribunal tem decisões considerando que serviço de call center não poderia ser terceirizado, por ser atividade fim. A senhora concorda com esse entendimento?
Delaíde Arantes — Votei nesse sentido em circunstâncias específicas, de acordo com o processo que foi analisado. Essas questões são todas muito complexas, meu voto não significa que não possa tomar outra atitude em outra circunstância… Nem há unanimidade por parte de todos os ministros.

Que outros temas a senhora julga relevantes hoje?
Delaíde Arantes — Nós temos no Tribunal Superior do Trabalho uma comissão de erradicação do trabalho infantil. Ainda vemos um número muito alto de trabalho infantil doméstico, mantém-se a ideia de que não há problema de criança trabalhar em uma casa, principalmente as meninas na faixa dos 12 anos. Tenho uma preocupação grande também com o trabalho análogo à condição de escravo. Neste ano vamos trabalhar para que esses cenários possam ser suprimidos.

Em relação ao trabalho análogo à escravidão, a senhora avalia que há hoje uma definição clara do que caracteriza isso? Porque alguns empregadores dizem, por exemplo, que em algumas ocasiões a situação do trabalhador não seria de escravidão. Às vezes o local de trabalho não é adequado, mas o empregador diz que está reformando.
Delaíde Arantes — É. Tenho ouvido reclamações de que a fiscalização é muito rigorosa. Ainda é necessária uma aproximação maior das superintendências regionais do Trabalho com as entidades empregadoras, para que não haja injustiças. Há situações que podem ser acertadas com orientação, com medidas simples, e não necessariamente multas. Avalio que é preciso mais clareza, porque os trabalhadores precisam ser respeitados, trabalhar em boas condições de higiene e receber todos os seus direitos, mas os empregadores também precisam ter condições de continuar as operações da empresa.

O trabalhador pode negociar com o empregador direitos como encurtar o horário de intervalo para sair mais cedo?
Delaíde Arantes — Não. No Tribunal Superior do Trabalho é pacificada nossa jurisprudência de que o intervalo não pode ser inferior a uma hora.

Fonte: www.conjur.com.br