Artigo

Isonomia e capacidade econômica na essencialidade das alíquotas do IPI

Os artigos 3o e 5o da Constituição Federal de 1988 consagram o princípio da isonomia, porquanto princípio nuclear de todo o nosso sistema jurídico, devendo inspirar, assim, o intérprete no entendimento e aplicação dos demais princípios.

A dificuldade maior apresenta-se na delimitação do princípio da isonomia, especificamente na identificação de uma igualdade perante a lei e a igualdade na lei.

O tema é antigo. Tal distinção foi feita por Kelsen, ao esclarecer que: “a chamada igualdade perante a lei não significa outra coisa que não seja a aplicação legal, isto é, correta, da lei, qualquer que seja o conteúdo que esta lei possa ter, mesmo que ela não prescreva um tratamento igualitário, mas um tratamento desigual”.

Em termos mais simples o autor assim esclarece: “A igualdade perante a lei não é, portanto, de forma alguma igualdade, mas conformidade à norma. Ela consiste em que a fixação de uma norma individual – a decisão do órgão aplicador do direito – corresponde a uma norma geral. Esta correspondência é correlação lógica e nada tem a ver com justiça, especialmente com a justiça da igualdade”.

Torna-se possível exigir-se, portanto, uma igualdade perante a lei (ela se aplica a todos), muito embora a lei não trate a todos de forma isonômica.

Analisando o conteúdo do referido princípio (igualdade) Celso Antônio Bandeira de Mello, afirma que: “as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição”.

Não obstante a incidência do princípio da isonomia conforme supra referido, o legislador constituinte originário também o incluiu no inciso II, do artigo 150 da CF/88 como forma de estabelecer não só uma igualdade perante a lei, como também a igualdade na lei.

A inserção do princípio da isonomia em matéria tributária torna defesa a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Não se trata de uma igualdade perante a lei, mas sim que a lei, conforme observado por Américo Lourenço Masset Lacombe, ao classificar situações fáticas idênticas, “não pode fazer incidir valoração diversa ao erigir tais fatos em hipóteses normativas”.

O parágrafo primeiro do artigo 145 da CF/88, por sua vez, fixa o princípio da capacidade econômica do contribuinte como critério de definição capaz de assegurar a incidência do princípio da isonomia.

No referido parágrafo observamos a expressão “sempre que possível”, que não deve ser associada à expressão “graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte”, pois nem todos os impostos têm caráter pessoal, haja vista a existência de impostos em que as características do contribuinte não são previamente conhecidas.

Não obstante, a graduação segundo a capacidade econômica é possível sempre, seja nos impostos diretos, seja nos impostos indiretos.

Sua mensuração dar-se-á conforme critérios de aferição de renda, consumo ou patrimônio. Em vista disso, a graduação das alíquotas segundo a essencialidade do produto é perfeitamente válida no sentido de presumir a capacidade econômica do sujeito passivo (contribuinte) daquela obrigação tributária.

Tanto o consumo como a riqueza, além da renda, são índices reveladores da capacidade econômica e não devem ser desprezados.
Logo, o princípio da capacidade econômica não deve ser interpretado como simples forma de manifestação do princípio geral da isonomia, por ser esta insuficiente para determinar seu alcance. Mesmo assim, em matéria tributária, mais do que qualquer outra, tem relevo a idéia de igualdade no sentido de proporcionalidade, ou mais exatamente, a idéia de igualdade no sentido de justiça tributária.

Por isso o princípio da isonomia aparentemente confunde-se com o da capacidade econômica.

É a classificação dos produtos conforme o grau de sua essencialidade, como se verifica no IPI, que permite uma identificação aproximada da capacidade econômica do contribuinte. Por esse critério tributam-se os produtos de forma diferenciada, de acordo com sua essencialidade, em respeito à igualdade e à capacidade econômica do contribuinte, ou seja, tratando desigualmente categorias desiguais.

Assim, no campo tributário, a classificação de produtos e mercadorias para a tributação desigual na sistemática do IPI é uma exigência do princípio da capacidade econômica, sendo certo que tal classificação há de respeitar a um mínimo de razoabilidade, ou seja, um mínimo de correlação lógica entre ela e o fim a que se destina. Sua fixação errônea, ou não razoável, poderá ser invalidada para que se restabeleçam as alíquotas de acordo com os critérios de essencialidade dos produtos.
É como pensamos.